Michael Godard
Há vinte anos durava o casamento. “Por paixão”, afiançava ele. Não houve crise dos três, sete ou nove anos. Ou não dera por elas – “coisas de mulheres amuadas cujas razões deixam secretas e um gajo não adivinha nem entende”. Pelo sim, pelo não, dava-se por culpado e apaparicava-a até à volta da normalidade. “Uma mulher gosta de dizer às amigas: _ Aprendeu a lição e anda à minha roda como um cordeirinho. Fazia-lhe as vontades por umas horas ou um dia e a coisa resolvia-se.”
“Quando vieram os filhos, ela não via outros sóis ou luas. Como se eu tivesse cumprido a missão e só fosse preciso como pagante, tarefeiro e pronto-socorro de avarias. Tudo bem, pensava; a vida dos casais é assim e, seguro de assinar o ponto conjugal e trazer bem-estar à família, não seriam alguns imperativos da carne por fora a beliscarem o amor que lhe tinha. Miúdos mais crescidos, economato de vento em popa, julgava de volta à mulher a alegria que me apaixonara. Iludi-me. O que veio foi o ramerrão. Um nevoeiro frio e espesso. A dose massiva das enxaquecas. Pelas culpas que arrastava e pela família, conformei-me.”
“Estranhei a mudança na manteiga – um sucedâneo magro e ensosso. Desapareceram as bolachas que eu trincava ao serão. O sumo do meu pequeno-almoço sofreu um downgrade - marca branca do supermercado. Quando sumiram as azeitonas quis saber a razão – «ninguém as come excepto tu. Compra-as! E não te esqueças de levar o meu carro à revisão e mandar vir o homem para tratar do jardim e da piscina». Voltei à estratégia antiga. Num fim-de-semana e numa segunda-feira ficou tudo num brinco, excepto as farruscas da nossa vida. Não havia passado uma dúzia de dias, trouxe-me o papel do divórcio. Murro seco. Dobrei-me na dor. No pesadelo. Mas assinei tudo. Fui um gajo porreiro. Hoje, sei: fodeu-me com aquela da revisão, do jardim e da piscina.”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros