Mariana Kalacheva Marta Spendowska
Sala de cinema. Um homem e uma mulher ocupam cadeiras contíguas. O filme contraria o tempo - francês, como a trilogia “Bleu, Blanc, Rouge” de Kieslowski. Não tem a Binoche a adoçar a tela no “Bleu” ou no “Chocolat”. O par de atores é desconhecido, mas a marca do não-tempo está lá. Ele e ela. Uma história de amor como todas as histórias, porque mesmo quando o ódio move o guião, nasceu do amor ou da ausência dele.
Par que tudo parece fazer divergir. Substituem a normalidade do casal jovem ou de meia-idade (re)descobrindo o amor ou o par em que ele, mais velho, seduz, e é seduzido por uma Lolita declarada legal para amar e ser amada. Não amor platónico, mas o que funde corpos, torna único o cheiro molhado pelo desejo.
Amor improvável aquele contado no escuro, à revelia das convenções sociais que tudo pretendem regular. Lento como o movimento da câmara. Não há obscenidade nos planos. Há presença que regista, discreta, o diário do desejo. O deles. Nascido num olhar e num beijo novo na vida dos dois (beijo vindo das funduras, prediz a verosimilhança de um amor).
Na tela, é encenado ato amoroso. Na sala, o par de estranhos nem dá pela presença mútua de tão mergulhados naquele oceano de beleza e intensidade. Não sentem o natural constrangimento de se verem presos numa rede de intimidade a que são alheios. Estão quase sós na sala - no final da tarde, poucos ousam não rumar ao destino certo da quentura familiar. E, por maquiavélico ou isento de intenção acaso da bilheteira, arrumados lado a lado.
Na sala, ela descruza a perna e muda de posição. O tempo ali existe. Toca-o na falta de jeito de quem nem despegou os olhos da fita. Ele força resposta mecânica ao pedido de desculpa. Tomam consciência de si. E, enquanto vêm os corpos escorrer a magnífica intensidade, sentem o outro respirar. Identificam o odor do corpo próximo. Aumentam a sensibilidade aos movimentos leves de cada um. Um homem, uma mulher. Na sala, na tela. Um gosto feito nó unindo, por horas, vidas distintas.
Os atos de amor urgentes e o seu encanto - a intrepidez, a pressa do afundar no outro. Este seria vagaroso. Presente a (...)
Nota: texto acabado de publicar aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Por um dia, Juliette Binoche falhou nascer no Dia Internacional Da Mulher. A mãe, adivinhasse diva do cinema francês a bebé que transportava no ventre, há quarenta e sete anos devia ter antecipado o nascimento. Mas de tal não se lembrou e no dia nove de Março, a criança chegou perfeita e a tempo. Herdeira de caldo de culturas: pela mãe sangue polaco nas veias, por vias outras ascendência marroquina, flamenga, brasileira e francesa. A sopa genética podia ter resultado infeliz, mas não – cresceu repartida em família desconjuntada, colégio interno, infeliz pelos afectos distantes, porém com talento dramático de sobra.
Lembro-a na Insustentável Leveza do Ser baseado no livro de Milan Kundera, no Bleu, primeiro da trilogia das cores de Krzysztof Kiélowski, no Paciente Inglês sob a pena do escritor Michael Ondaatje e em Chocolate com o nome do livro da Joanne Harris. Estes filmes revejo, os livros releio, a Binoche não esqueço em qualquer destes desempenhos notáveis. Mais dela não vi, primeiro no escuro do cinema, depois na penumbra caseira.
Mulher linda, doce na imagem, discreta, bom gosto nas escolhas dos filmes e realizadores constantes na carreira. Juliette Binoche tem o je ne sais quoi que estabelece diferença gigante.
Nota: lamento não me ser possível responder aos comentários, conquanto leia e visite as sugestões de todos. Sexta e sábado, mãos na obra.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros