Licio Passon
Caminhava absorta. Pelo vento, o casaco de malha fina levantava abas, apesar das mãos o prenderem na cintura. Sabrinas pisavam mecanicamente a calçada – passo certo como de marioneta regulada por fios precisos e invisíveis. Cruzei o olhar com o dela que me pareceu esvaziado de crença, de alegria. Porque me apetecia mais andar, inverti o sentido da rota. Regulei por ela o meu caminho. Que força me impelia a seguir desconhecida? Gesto inaudito nas atitudes minhas.
Caminhava a direito ignorando passadeiras, cruzamentos e motores. Houve chiar de pneus, imprecações de condutores. Ela nada (ou)via. Pressenti-a transida de frio por mor de um Junho temperamental na meteorologia. Também subi o fecho do blusão até ao cimo – frio duplicado pelo que na mulher pressentia. O relógio marcava tempo que devia clamar regresso. Não olhei os ponteiros em rotação implacável - mais queria saber da intriga (tragédia?) adivinhada.
Cerca da ‘Rota do Pão’, deteve-se. Na esplanada sem gente, tomou assento. O Jorge, solícito, quis saber o pedido. Boquiaberto, reteve “o que entender.” Preparava-se para alvitrar quando a sensibilidade lhe sussurrou “não vale a pena.” Olhou-me. Entendemo-nos. Pressentimento sentou-me à beira, conquanto o vento pedisse interior aconchegado. Não o ouvi.
Chiou telemóvel com som idêntico ao meu. Remexido o saco, constatei silêncio; todavia, o da mulher insistia. A custo, qual tarefa hercúlea, atendeu. Sem fala, lágrimas escorriam na face. Somente disse: _ “Não mas tires. Insistindo, termino as vidas delas e minha.” O Jorge chegava com um sumo. Ouviu. Comigo o mesmo.
Hoje, num diário, li a notícia de mãe que precipitou automóvel numa escarpa. Com ela, as duas filhas morreram queimadas.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros