Quarta-feira, 13 de Julho de 2011

PLATAFORMA 3

Chenoa Grace

 

Plataforma 3. O ‘alfa’ preparava-se para pendular do Oriente para o Sul. Aos magotes, gentes sem carregos, outras arrastando bagagens múltiplas cujo tamanho imponente pressupunha estadas longas no destino. Pelas etiquetas nas malas, denunciadas viagens com início a milhares de quilómetros e terminadas na Portela. Quem tais pesos conduzia mirava a luz soberba filtrada pela aços entretecidos na cobertura/escultura desenhada pelo Calatrava. Facilmente distintos os chegados de países quentes pelas écharpes presas no peito, pelos casacos finos que mal protegiam do vento teimoso naquela tarde de Verão, pelo bater das chinelas no empedrado. Rostos cansados donde já sumira a curiosidade novata.

 

Olhares insistentes seguiam os ponteiros dos relógios espaçados nas colunas. Anunciado o comboio, ajeitada a bagagem nas mãos e nas costas mochilas. Composição imobilizada, quem partia ia entrando porque demorada a paragem técnica, vinte minutos, para o bar poder, dali em diante, continuar a satisfazer fomes e sedes. Apaixonados não desfaziam os abraços, repetiam beijos de despedida com infinita saudade dentro ainda a distância não apartara corpos. Os embarcados a Norte aproveitavam o intervalo para cigarrar.

 

A mulher não ia, despedia-se. Sorria. Espalmava a mão no vidro até coincidir com a outra que o mesmo fazia. Malvadas janelas herméticas que não permitiam sentir a pele e adeus com o braço esticado até a figura se desvanecer! Não vigiava os ponteiros – podiam andar como caracóis que nada importaria. Reconhecia de vezes outras no mesmo lugar o casal adolescente com a caixa onde um gato assustado nem se atrevia a miar. Seguiriam juntos como o hábito lhe dizia. Pelos afagos, namorados, pensava-os. Faltava a idosa, coxeava ligeiramente, e a acompanhante. Ei-las apressadas mais o saco costumado.

 

Já as portas haviam cerrado e uma jovem mulher corria desafiando o horário. Ainda bateu à porta como se pedisse desculpa pelo atraso e licença para entrar. Mas não – insensíveis, as carruagens rolavam. Viu-lhe a perplexidade, a desilusão, talvez desespero no olhar. A que se despedia aconselhou falar com o chefe da estação e apanhar um táxi para Entrecampos. Talvez o comboio esperasse para depois compensar o atraso galgando o Alentejo. E ela muda. Sem reacção.

 

Desceu. Na lembrança, momentos felizes e o indizível. Na ‘3’, devia permanecer, quieta, a jovem mulher.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:54
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4 comentários:
De Do Tejo e do Nilo a 13 de Julho de 2011
Partir é morrer um pouco...Chegando da morte se fica mais perto.
mas partir ou chegar enche a alma ...é a humana condicao...

Musca

http://youtu.be/IqwWSPksmEg
De Maria Brojo a 15 de Julho de 2011
Do Tejo e do Nilo - bela «musca» e reflexão de acordo com o meu pensar.
De António a 14 de Julho de 2011
partir e ficar, era o que eu queria!

oh, don't ask why ...




;_)))

De Maria Brojo a 15 de Julho de 2011
António - não perguntarei - assim recomenda a discrição. Adorei a memória na ribalta.

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