Sexta-feira, 15 de Julho de 2011

PORQUE CHOVIA

Mike Hill

 

Casamento breve, dois anos, não mais. Ela trocou-o pela carreira promissora na universidade antes que filhos empatassem o trajecto. Divórcio, ele destroçado. Sofreu as penas comuns de quem ama e é largado. Ano e meio de convalescença. Refugiou-se nos processos e no parceiro do escritório de advogados que ambos dirigiam.

 

Nos dias úteis, o almoço juntava-os, excepto se a toga e a barra os impediam. O Jorge aproveitava o anonimato do restaurante do costume para abrir a alma e ser aliviado com o bom humor do Manuel, homem de têmpera rija feita pelas dificuldades que venceu até obter a licenciatura. Singrou isento de «padrinhos», coisa rara no meio profissional onde se movia. Denodo e trabalho, muito, o segredo.

 

O Jorge nascera em berço composto, educação e valores firmes que o aproximaram do Manuel ainda na faculdade. Partilharam «marranços», o mergulho na revolta estudantil de sessenta e nove, confidências quando envolvidos em ‘saias’ apetitosas, copos raros se para mais do que ‘sebentas’ chegava o pré do Manuel conseguido nas explicações que dava em casa dos alunos. Ao fim do dia, regressava a Queluz e ajudava na taberna/mercearia dos pais, enquanto o Jorge ia de volta para o conforto familiar no Bairro Azul.

 

Nos amores, eram também distintos: o Manuel casara com a Hélia, professora, e vivia o deslumbre da paixão mútua. Mas o Jorge, esse, ainda ruminava o desgosto perseverando num jejum demorado.

 

Mais uns almoços e o Manuel silenciou, admirado, ver o amigo olhar, insistente, para uma hospedeira que a farda da TAP identificava. A mulher nem era bonita, mas tinha atitude, conveio. Continuou a cavaqueira não lhe fosse notada a indiscrição, conquanto o Jorge não desgrudasse até a mulher sair. O “que dizias?” foi significativo. O Manuel, para dentro, sorriu.

 

Dia novo, rotina mesma. Não aparecendo a morena, alta, cabelo preto, comprido, amarrado com um gancho, o Jorge fixava a porta entre duas garfadas. Se a via, tornava-se loquaz na conversa. Cenas repetidas e o Manuel foi a direito: _ Sabes que mais? Ou vais lá tu, ou vou lá eu que este pasmo não pode durar sempre. E o Jorge que “não, que um dia, à conta dum nada, viriam à fala.”

 

Era Dezembro. Chovia a rodos. Ao saírem, coincidiu a morena. Enguiçado o guarda-chuva, ela hesitava. Vai daí, o Jorge propõe-lhe abrigo no dele. Um sorriso e que “sim, agradeço até porque fico já ao cimo da rua”. De tão copiosa a chuva, forçou-os a abrigo num vão de escada. Outro abrigo encontrariam, nem meio ano era passado, na Rua Sampaio e Pina. Casados, dois filhos, três décadas e meia de amor intocado.

 

O Manuel? A Hélia? Até hoje, casal amigo, íntimo, do Jorge e da Rita.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 08:45
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4 comentários:
De jotaeme a 15 de Julho de 2011
OLá Teresa: Ah Jorge felizardo! Ás vezes temos de decidir, bem de preferência, outras não decidimos, nem bem nem mal e a vida vai-se "escoando", no que poderia ter sido e não foi!
Amigos como o Manuel, também são importantes! Nem sempre disponíveis, infelizmente!
Agora estamos mais virados para as Finanças... até enjoa, tantos "experts" na area de bem gerir as "massas", que não os sentimentos...
Raio de mundo este! Que valores andam agora por aí!!!
Texto 5 estrelas da minha Amiga Teresa!
Beijinho,
Jorge
De Maria Brojo a 18 de Julho de 2011
EJSantos - além do gosto de o ler, caro Amigo, obrigada pelas suas palavras.
De Do Tejo a 16 de Julho de 2011
Dizem as línguas más que a mulher foi o futuro do homem....
De Maria Brojo a 18 de Julho de 2011
Do Tejo - antes diria que a mulher é o presente do homem. ;)

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