Não se lembrava dalguns; todavia, dos mais próximos, tinha a data presente. Chegada a véspera do dia, esperava a hora zero para desejar parabéns, fosse com beijo vivo, ou com um virtual que antenas e cabos se encarregariam de fazer chegar ao destino. E era minuciosa no antes ao escolher a oferta e na escrita do cartão, no dealbar da manhã, ao longo das horas até surgir outra zero no relógio.
Mimar quem muito amava era vício consentido. Modo egoísta, talvez, de satisfazer a necessidade própria de volver ternura para que também não lhe faltasse. Podia, à mingua, acabar o mês bancário; podia restringir precisões; podia suportar distância geográfica, mantivesse em dia os afectos.
Quando amar e ser amado é alimento do ser, os quotidianos desfilam aconchegados, é sabido. Ventos de mágoas que abanam as tílias onde se aninha a saúde dos muito queridos ferem. Confiar no amanhã que não tem de ser maldoso, mais do que panaceia, é acto de fé, vício bom. E resulta. Alivia a dor própria e de quem sofre. Provável causa de entusiasmo tamanho com aniversários entendidos como mais um ano que “já cá canta” e conta o início do seguinte. Prova de vida estendida.
Pertencendo-lhe a comemoração, o (re)agir não mudava - por cada beijo recebido, carinho dobrado e devolvido. Importava-lhe, também, pensar a reunião familiar e amiga. Os detalhes. Presentear com alma florida na face os amados. E por cada prenda recebida, fosse gesto ou coisa, guardava-as na arca alojada na memória do coração.
Para ti, que hoje entras em número redondo na idade, além do mais e porque nos encanta, de novo, à tona o egoísmo meu, verdades musicadas.
Aquele casal de 85 anos estava casado já há sessenta e dois. Apesar de não serem ricos, viviam bastante bem porque eram muito poupados.
Apesar da idade, estavam ambos em muito boas condições físicas, principalmente pela insistência dela na alimentação saudável e na manutenção em ginásio, em especial, durante a última década. Mesmo com tão boa forma, um dia, numa das raras saídas para férias, o avião onde seguiam despenhou-se e mandou-os para o Céu.
Chegaram às portas rebrilhantes do Céu e São Pedro veio recebê-los à porta. Levou-os até uma fantástica mansão, com móveis dourados e cortinas de finas sedas, com uma cozinha completamente fornecida e uma cascata na sala de banho. Ao fundo podia ver-se uma criada a arrumar as roupas favoritas de ambos nos imensos roupeiros. Eles olhavam para tudo atónitos, quando São Pedro disse:
- Bem vindos ao Céu. A partir de agora esta será a vossa nova casa.
O idoso senhor perguntou a São Pedro quanto é que aquilo iria custar.
- Claro que vai custar NADA. Isto é a tua recompensa no Céu. O homem então olhou pela janela e viu um campo de golf que não tinha comparação com nada, do melhor, feito na Terra... - Qual é o preço da utilização? - gemeu o idoso homem. - Isto é o Céu - replicou São Pedro. - Tu podes jogar de graça, sempre que quiseres.
No dia seguinte, foram almoçar ao salão e depararam-se com um almoço estonteante, com todas as inimagináveis especialidades gastronómicas, desde mariscos até às melhores carnes e sobremesas, tudo acompanhado dos melhores vinhos e bebidas. - Nem me perguntes nada - disse o São Pedro ao homem. - Isto é o Céu. É tudo de graça. O idoso senhor olhou em volta nervosamente e fixou o olhar na esposa. - Bem, onde é que estão as comidas de baixo teor de gordura e colesterol e o chá descafeínado? - perguntou ele. - É a melhor parte - atalhou São Pedro. - Vocês podem comer e beber o que quer que seja que gostem sem se preocuparem em ficarem gordos ou doentes. Eu já disse: isto é o Céu! O idoso ainda perguntou: - Nem é preciso ginásio? - A menos que vocês queiram - foi a resposta de São Pedro.
- Nem testes de açúcar, nem medições de tensão, nem...
- Nunca mais. Vocês estão aqui para se divertirem e gozarem.
O idoso olhou bem de frente para a sua esposa e disse:
- Tu e a merda dos Corn Flakes... Já podíamos estar aqui há dez anos!