Fabian Perez
Ao almoço de amigas, faltaram duas, também pertença do núcleo duro que, há décadas, formavam. Idades próximas. Eram quatro a fruir do encontro. Adiaram os pedidos, debicaram entradas originais ou não fosse o dono um gastrónomo exigente – da cozinha tradicional portuguesa, colhia ideias para culinária de fusão. Enquanto comiscavam, a conversa fluía. No início, alegre partilha de novidades, muitas da família e todas próprias de quem há algum tempo não se via. Depois, notícias familiares ora boas traduzidas em imagens felizes, ora preocupantes se a saúde periclitava.
Da Mariana ouviram o choque sentido ao saber a mãe com Alzheimer. Havia suspeita pelos indícios do comportamento, mas, no momento em que o neurologista, discretamente não fosse a mãe entender, estabeleceu o diagnóstico, fugiu-lhe o chão. Manteve a compostura por razão idêntica à do especialista, acrescida de amor e sofrimento indizível. Contou a dor, o reagir trémulo, a incapacidade de afastar do cérebro o repetido pensar no estado de quem a dera para a luz.
A Isabel deu conta do idêntico mal da mãe. Desolador o quadro que ela acompanhava momento a momento. Sendo Alzheimer doença que, felizmente, não causa sofrimento ao doente, mas sim a quem, de perto, assiste à progressão, a Isabel deixara de ter um instante disponível para ela, fosse dia, fosse noite. Devagar, aceitara o desmoronar psíquico da mulher outrora diligente, sensata, dedicada à família sempre. Internada, havia uma semana, no hospital por maleita outra não diagnosticada. Mais do íntimo descreveu a Isabel: o sentir-se em falta ao arredar o pé do quarto, a necessidade de acompanhar a mãe e entender-lhe o possível.
Ontem, morreu a Dona Vitória. O negrume cobriu família e as seis amigas que privaram com a senhora anos a fio. Fazer o luto das lembranças da mulher por todas gostada, é quebra dum ciclo. Algumas partidas experimentaram aquelas mulheres - nunca o hábito se instala, nunca as almas deixam de sangrar, conquanto o tempo suavize o esvair. E se qualquer luto é penoso, seja pelo divórcio ou por um tempo sem regresso, nenhum é comparado aos que transformam em anjos pais, filhos e companheiros.
Mas novo almoço ficou marcado. Há que celebrar as benesses dos que ficam, desfiar memórias que honram esta partida, o tempo de viver.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros