Donato Giancola e autor que não foi possível identificar
No concelho de Gouveia, como noutros das Beiras, década de quarenta e par das seguintes, acabada a instrução primária dos afortunados que ‘iam à escola’, as crianças ajudavam ao sustento da família por mor da pobreza extrema. Iniciadas na lavoura, na pastorícia, na lida da casa, na costura, carregavam cântaros de água sobre as cabecitas, alimentavam o porco e bichos de capoeira, do ferro de brasas sabiam o manejo na arte de engomar. Calejavam os pés andando descalças ou, arribado o frio, com sorte, talvez protegidos por tamancos e peúgas saídas de mãos laboriosas no tricô.
Porque Gouveia era centro importante no fabrico e exportação de lanifícios, quem podia trabalhava nas fábricas. Frequente, ‘meter pedido’ para conseguir admissão e combinar fábrica com agricultura de subsistência ou jorna ao serviço doutrem. Na indústria fabril, o trabalho era por turnos. Aos dez anos, fizesse neve ou sol, pela madrugada, saíam das camas ou do que dela fizesse as vezes para fazer a marmita e andarem quilómetros – pegavam às oito. No final do dia, a paga era dezena de tostões. Se no Inverno percorrer a distância era sofrimento indizível pelo frio de navalha da montanha, mãos e pés atiçados por frieiras, na fábrica continuava o Inferno: barulho ensurdecedor, homens negros pelos óleos, correias espalhadas, catraios empoleirados em bancos, não chegando aos teares. Ao meio-dia, estrondeava apito para o intervalo da bucha/almoço comida dentro da fábrica, em redor de bidons onde ardia lenha que (mal) disfarçava o gelo nos ossos.
Em 1946, na “Belino”, é iniciada paragem laboral – finalmente, acontecia greve devida às desumanas condições de trabalho e aos magros salários. “Nas Amarantes”, uma das fábricas mais importantes do país com setecentos trabalhadores, o mesmo. Mal passada era uma hora, a GNR cerca as unidades fabris, empurram para dentro dos jipes e prendem cerca duma quinzena de homens julgados cabecilhas. O pai da menina que com o filho do sacristão escondera os coxins dos prie-dieu na igreja das Aldeias trabalhava na “Sociedade Industrial”, comummente designada por “Amarantes”.
Estando no colégio a já adolescente, ouve contar o que acontecia. Juntamente com o Sario cujo pai era operário na mesma fábrica saem desvairados das aulas e, numa corrida, alcançam a praça de S. Pedro onde guardas, jipes com os presos e multidão se haviam ajuntado. Espreitavam os detidos temendo encontrarem os pais. Saberiam, então, que eles permaneciam dentro da fábrica - ao primeiro, um dos fundadores do sindicato na região que, de pronto, se identificou com a luta, salvara-o a ascendência familiar, isto descobriria mais tarde, ao segundo, a óbvia inocência.
Mais tranquilos, correram de volta ao colégio. À entrada, dão com o director que os esperava. Apopléctico de fúria, aos brados indaga porquê o desplante de faltarem a uma aula. O Sario adianta-se e explica a angústia que haviam passado. Sem delongas, o director dá sonora bofetada ao rapaz com dezasseis anos. A Maria, ferida pela incompreensão e violência, questiona-o:
_ “Porque não me bate também? Por ser mulher e sobrinha dum padre?”
Durante quinze dias, as fábricas mantiveram portas cerradas enquanto os patrões reuniam e ruminavam procedimentos. Aos poucos, chamaram operários. Admitidos os imprescindíveis pela função especializada e os considerados rebanho cordato.
Zola , Aquilino ,Cholokov? Realismo Socialista? Gostei... Quem aos seus sai náo é de Genebra... ..."o sonho é uma constante da vida tao concreta e definida como outra coisa qualquer."..
claro que não quer deixar fontes nem seguir uma lógica que tire a confusão das estórias... daí não vem mal ao mundo e faz que alguém pense diferente da verdade dos factos ;-)
esta Maria é Brojo. e tem um avô (ou pai?) Artur. músico. Sario aparece mais como apelido.
«Em Janeiro de 1946, mais de 10.000 operários têxteis da Serra da Estrela, foram severamente reprimidos durante uma heróica greve que levaram avante; enquanto em Lisboa e no Porto ferviam grandes manifestações pela Liberdade, além de marchas de fome, pelo pão.»
Rui Firmino Faria Nepomuceno - Advogado, Politico e Historiador
Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, assumiu em 2006 que "há guerra de classes, com certeza, mas é a minha classe, a classe rica, que está a fazer a guerra, e estamos a ganhá-la". Anteontem, voltou a recordar--nos que só paga 17% em impostos, enquanto os seus empregados pagam 33% ou 41%.
Esta desigualdade encerra parte do drama da era do capitalismo financeiro, pós-industrial. O tamanho imenso da fortuna de Buffett não se deve a nenhum poço de petróleo, patente inovadora, novo produto industrial, ou a criação directa de emprego. Limitou-se a investir, comprar por menos para vender por mais, transferir dinheiro daqui para acolá.
Registe-se que se era o homem mais rico do mundo em 2008, em 2011 será o terceiro porque, do alto dos seus 80 anos, começou a doar a sua fortuna à assistência social e à difusão da educação e do conhecimento, principalmente através da fundação de Bill Gates, outro hipermegamilionário.
Como diz Buffett, os sacrifícios não são repartidos: os ricos poderiam e deveriam pagar mais impostos.
Impõe-se taxar mais o capital e menos o trabalho. Passos Coelho pensa o contrário: engordou-nos a conta da electricidade, ao invés de cortar as pantagruélicas gorduras da banca. Na guerra de classes lusitana, os ricos continuam a ganhar. E raramente doam dinheiro para bolsas de estudo e investigação científica.
Gouveia é uma terra com profundas tradições operárias. Para além das muitas lutas de que há registo, e de ser uma cidade que tem uma série de jornais operários, um dos quais dos primeiros do País, Gouveia foi berço de uma das maiores activistas na luta do movimento operário imigrante nos Estados Unidos da América. Eulália Mendes, nascida a 30 de Abril de 1910, «filha de um operário anarco-sindicalista e de uma doméstica, que saem de Gouveia na rabada de uma série de perseguições a operários, em 1915», conta Luís Nogueira, professor de História, que teve conhecimento desta mulher «através de um amigo», em Junho de 99. .../...
1946 É criada a Juventude Socialista Portuguesa. Ocorrem greves de trabalhadores têxteis (Covilhã, Tortosendo, Carvalhos, Gouveia), da construção civil (Viseu), da construção naval (Lisboa). Pescadores da Figueira da Foz recusam-se a sair para o mar durante cerca de duas semanas, exigindo aumento de salários. Manifestações contra a falta de produtos alimentares em vários pontos do País. Edita-se o Boletim Interno da Comissão Distrital de Lisboa do MUD. Realiza-se o IV Congresso do PCP. Passa a editar-se "O Camponês". Publica-se, clandestino, o jornal antifascista "Ecos".