Emma Srncova
“Carvalha” designam os nados em Aldeias o carvalho de idade por datar. Velho, muito velho é porque respeitado pelas muitas e sucessivas gerações que desde sempre lembram o tronco ancho e a sombra majestosa na parte de cima do adro da igreja. O lugar de culto tem que se lhe diga pelo requinte e antiguidade de algumas imagens, pelos retábulos em fundo que as destacam, pelos baixos-relevos cobertos por ouro em película fina, que, à tardinha ou acesa a iluminação, emprestam brilho doce ao silêncio do espaço.
Abrigados pela “carvalha” – de facto, carvalho-alvarinho – muitos recém-baptizados e casais de nubentes se fizeram fotografar: pais, irmãos e padrinhos em primeiro plano, convidados distribuídos na escadaria/cascata. Todos engalanados a preceito, ansiosos por seguirem para a boda em casa da noiva ou desta familiar; sendo muitos os convivas, na sala ampla da “Associação Cultural e Recreativa”. Canja de galinha na véspera sacrificada com outras, pratos de carne, constituíam os «quentes»; nos «frios», fatias de chouriços secos ao fumeiro e confeccionados quando da matança do porco, de presunto curado nas salgadeiras, “queijo da serra”. Arroz-doce, leite-creme queimado, pudins de ovos, biscoitos e «esquecidos», bolo de noiva como remate. Um fartote bem regado com vinho da região. “Porto” e licores no final – o espumante faria parte dos «bebes» aproximados os setenta. E a festa continuava tarde fora, até os noivos julgarem adequada fuga que lhes permitisse o “enfim sós!”
Confeccionado pela noiva desde a alvorada da juventude – casar e procriar era destino da mulher - o enxoval contemplava lençóis às dúzias, atoalhados, napperons, combinações e camisas de dormir enfeitadas com bordados, nervuras, finas rendas intercaladas, se para tanto chegassem os haveres paternos. A quantidade e qualidade dos panos de lençol, das toalhas de mesa, em linho puro era dobrado o valor, bem como a riqueza dos lavores, permitiam avaliar enxovais e as «prendas» da noiva. Corria notícia dos mais impressivos, da beleza do vestido branco subido ao altar, da fartura na boda paga pelos pais da futura ‘esposa’. A lembrança das mulheres de algumas gerações reteve o da menina Maria do Céu Oliveira Canhoto que em Lisboa comprara panos, fitas, cetins do melhor, pelas mãos delicadas da jovem tornadas obras de arte. Os pais do noivo mobilavam a casa do jovem par que a Santa Madre Igreja abençoara, primeiro, nos dizeres latinos, após o Concílio Vaticano II, em escorreito português.
As progressivas modificações introduzidas pelo maior momento de renovação da Igreja Católica, o referido concílio cujas vertentes essenciais eram a liturgia e a participação dos leigos, nem sempre colheram louvores dos crentes. Por esse tempo, era o tio-avô Alberto, pároco das Aldeias. Recebeu encomenda peculiar dum pai de família:
_ “Venho cá pra o Senhor Abade rezar missa por alma do meu pai, que a gente entenda e de «cu» pra baixo.”
Numa assentada, dizia não à missa em latim e à novidade do sacerdote com altar pela frente, encarando os fiéis.
Mas a “carvalha”, testemunha de «viveres», desgraças e graças, teima no porte assombroso, na abóbada de folhagem e desmente: _ “Carvalho que dás bolota não dás coisa boa, cada um dá o que tem conforme a sua pessoa.”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros