Segunda-feira, 22 de Agosto de 2011

MARIA EMÍLIA MANTA E MARIA DO CÉU FERREIRA DE JESUS (II)

Jim Todd

 

Maria do Céu prosseguiu o relato. “O Estatuto do Trabalho Nacional em 1933 introduziu mudanças pesadas – os sindicatos deixaram de ser por classe e passaram a corporativos. Em Gouveia, surgiriam em 1939. Direcções fantoches nomeadas pelo governo. Através de esbirros sindicais, todo o ocorrido entre operários era comunicado ao patrão.

 

Novidade se interpôs a meio dos sessenta: abertura do turno da noite na Escola Industrial que sublinhou a atávica rivalidade entre Seia e Gouveia por, então, ambas as vilas concorrentes em importância desejarem também neste particular a primazia. Na última, o domínio económico e político repartia-se entre Bellinos e Frades (estes, donos das Amarantes). Em degrau seguinte de importância, a família Leitão, também distinta por incentivar a formação dos operários. Facto é os patrões dos lanifícios em Gouveia seleccionarem os funcionários candidatos ao ensino nocturno: aos preferidos - ‘bem comportados’ (?) - pagavam custas do bilhete de identidade e propinas. Fui preterida. Não desisti: paguei o necessário do meu bolso e, curiosidade, fui a única que terminou o curso com êxito. A entidade patronal não facilitava a vida dos trabalhadores/estudantes - horário por turnos igual ao de sempre. Valeu-me a mãe que trabalhava na mesma fábrica e fazia as noites enquanto eu libertava tempo para as aulas ao trabalhar apenas de dia.

 

Ainda na década de sessenta, a maciça emigração essencialmente para França. Os homens partiam, as mulheres ficavam, algumas até o marido conseguir lá fora sustento e abrigo. Aumentou, em consequência, a mão-de-obra feminina e operária, nomeadamente na secção de ‘estambre’ tradicionalmente masculina; razão para serem diminuídos os salários.”

 

A Milita recordou que a vida na fábrica lhe lembrava o filme “O Grande Ditador”. Risível e dramático. Havia saído do Patronato para a “Formação Feminina” na Escola Industrial com equivalência ao quinto ano do liceu. À mãe foi proposto que a jovem integrasse o quadro técnico do laboratório da “Sociedade Industrial”. A jovem aceitou com entusiasmo pois aplicaria alguns dos conhecimentos da Química aprendida. Ela empregada, a Maria do Céu operária. E se eram marcantes as diferenças! A mais ligeira, conquanto não despicienda, era a de existirem duas portas de acesso à fábrica consoante a categoria dos trabalhadores – empregados por uma, a que o patrão utilizava, operários por outra. Nos dias imediatos ao 25 de Abril, seria a última definitivamente encerrada.

 

A Maria do Céu desfiou, ordenada e objectiva, mais memórias. “ Na Primavera Marcelista foi dada a possibilidade a movimentos de cidadãos de se candidatarem em listas para a direcção dos sindicatos. Nos anteriores, pelo descrédito associado, ficaram vagas chefias. Possível, doravante, eleições sem o crivo do Ministro das Corporações. Fui dirigente sindical. À época, na fábrica, a minha categoria era de ‘quadro intermédio’. Ora, tendo concluído o curso industrial e sido alargados os quadros técnicos, indaguei ao patrão, o Engenheiro Frade, porque não fora abrangida. Resposta:

_ Sabe, é solteira, não tem família a seu cargo, et caetera e tal.

Desculpas em farrapos. O cerne estava na minha função sindicalista.

 

Em Dezembro de setenta e três, a ‘Direcção Sindical dos Lanifícios’ que já integrava a CGTP ainda na clandestinidade, vê-se desprovida de dois membros sem estofo para lidarem com a força dos trabalhadores. No Natal desse ano, acontece grandiosa festa destinada aos trabalhadores das ‘Amarantes’. Brinquedos para as crianças, animação, comezaina. Um ror de despesa explicado pelos números excepcionais atingidos pelas encomendas. Não fui. Recusei-me a pactuar com a injustiça patronal de que fora vítima. A 4 de Abril de 1974 fui despedida. No dia 17 do mesmo ano, ocorre nas instalações do sindicato plenário à cunha de participantes; a PIDE envia emissários. Decidido entrarem em greve os funcionários das ‘Amarantes’ e da «Belina» se eu não fosse readmitida. Marcado novo plenário para 28 do mesmo mês. Entretanto, já recebera contra-fé para me apresentar no Governo Civil da Guarda. Valeu-me estar relacionada com Juventude Operária Católica.

 

25 de Abril. Gouveia, como todo o país, em festa. A Mila lembrou que poucos dias após, juntamente com a Maria do Céu, foram convidadas para reunirem em Oliveira do Hospital com António Campos. Integrar o PS foi a proposta. A Mila recusa, a Maria do Céu aceita. Viria a fazer parte do primeiro secretariado do partido em Gouveia.

 

Continuaram as vivas lembranças da Maria do Céu. “A 28, o plenário marcado duas semanas antes foi manifestação ímpar. Exigidos aumentos de mil escudos e a minha reintegração. Decididas eleições pela vez primeira livres para a direcção do Sindicato. Luta renhida entre as duas listas concorrentes que representavam concepções diferentes da estrutura e objectivos do sindicalismo. A que encabecei ganhou, excepto na Guarda, não sem que antes do acto eleitoral tivesse pedido demissão do secretariado do PS com a finalidade de salvaguardar a minha independência política.

 

A progressiva descapitalização da Sociedade Industrial/Amarantes, também através de obras públicas inúteis e mal explicadas mas bem apadrinhadas por figurões com relevo nacional, conduziu ao encerramento da fábrica em 1981.”

 

Nota: agradeço a estas duas brilhantes e exemplares cidadãs toda a informação que, generosamente, me forneceram.

 

CAFÉ DA MANHà 

 

publicado por Maria Brojo às 07:03
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11 comentários:
De António a 23 de Agosto de 2011
da poesia:

para Borges, as peças do xadrez [...] «Desconhecem que a mão assinalada/
do jogador governa seu destino,/
não sabem que um rigor adamantino/
sujeita seu arbítrio e sua jornada./
Também o jogador é prisioneiro/
(diz-nos Omar) de um outro tabuleiro/
de negras noites e de brancos dias./
Deus move o jogador, e este a peleja./
Que deus por trás de Deus a trama enseja/
de poeira e tempo e sonho e agonias?»

do jogo:

mas no xadrez as peças não são "comidas", são tomadas, capturadas, trocadas e as palavras que se escolhem não são indiferentes, há uma lógica, uma ética, uma elegância na origem, na terminologia e na subtileza

depois, embora seja frequente a peleja abrir hostilidades no centro do terreno, rectius, tabuleiro, onde os peões chegam primeiro como activos participantes na luta pelo controlo directo das casas centrais e até sacrificados, por vezes, logo nos primeiros lances do jogo, como contrapartida de um desenvolvimento mais imediato das demais peças e da própria iniciativa (um valor em si, como na vida) tal não é uma fatalidade, havendo sistemas (v.g., aberturas indianas) em que se opta pelo controlo indirecto do centro, evitando ou adiando a troca de peões logo na fase inicial do jogo

e além de uma irrefutável dignidade, há prerrogativas extraordinárias, exclusivas até, para os "ladinos", pois podem ser promovidos e, atingindo a oitava linha, metamorfosearem-se noutra peça - à excepção natural do Rei - revelando-se afinal tão ou mais decisivos que as demais peças para o resultado: mudam o seu destino e podem mudar o destino do jogo, o que não é para todos!

da pintura:

muitos pintores (também políticos, publicitários e consultores de marketing, de estratégia, de liderança, etc) usam e usaram o xadrez, bastantes sem conhecimento do jogo até ao ridículo, mas grandes mestres da pintura (e também escritores e cineastas) ensaiaram o efeito visual do xadrez, nos melhores casos em torno ou em busca das inúmeras alegorias que o xadrez proporciona enquanto actividade muito especial, cadinho de arte, jogo e ciência, mas também ... comprovada pedagogia e, crescentemente, terapia (!!)

vai um exemplo: http://courierchess.com/thepainting.htm, de Lucas van Leyden, um "jogo de xadrez" especial e já muito analisado mas que, olhando, vendo e reparando bem, faz lembrar Voltaire, que se reclamava demasiado respeitador da inteligência do Rei para deixar de lhe ganhar sempre ao xadrez!!!


De revisor a 31 de Agosto de 2011
Diz isso porque está a encarar a obra pela sua perspectiva- tente encara-la como se estivesse na da Mão- de Lá para cá...

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