Inverteram-se afectos - Lisboa de amor passou a amante, a Beira Alta de amor elevada a paixão. Complementam-se por amante e paixão serem formas lindas de expressar impulsos de ânimo. Não há paixão sem par amante, não há amor vero que dispense momentos de paixão. E distinguir entre sentires fortes que enrolam corpo e alma em rama fina de algodão é difícil pelas fronteiras próximas. Deixá-las entrecruzarem-se, oscilar entre uma e outra, alicia amanhãs. Não que a volatilidade dos afectos seja inferida, mas sim que de tão sérios e imprescindíveis simplesmente licenciam permutas de intensidade, mantendo, intocável, a fidelidade.
Nesta Lisboa, apetece descobrir mais e mais segredos que aumentem o pecúlio grato. Cidade mulher porque airosa, que joga ao ‘toque e foge’, enamora com recato para depois se abrir, despudorada, a quem dela e com verdade deseja fruir. E entrega-se e revela as colinas firmes, desce para o rio meneando ancas e nos requebros das pernas como se ainda soassem em fundo de música pregões das varinas. Deixá-la para um sempre é ingratidão à sua rara beleza nesta Europa vaidosa sem ter, todavia, onde cair morta. Porque quem ao belo se habitua tende a desvalorizá-lo, é preciso afastamento que cresça saudades e o reencontro por semanas ou meses torne em feitiço novo.
A Beira Alta é desafio que alicia urbana dos ‘sete costados’. Volver aos cheiros das urzes, dos pinheiros, da terra cavada, aos saltos dos ribeiros que o degelo engrossa, à proximidade da história lusitana em cada penedia, aldeia ou pelourinho, ao dia que pelo vagar possui mais do que duas dúzias de horas, seduz quem também por lá formou a matriz individual. Com os anos chegam desejos de paz mansa no exterior que permita às emoções a vivacidade de sempre, conquanto não interrompidas pelo correr sem fôlego nos dias.
Talvez em Lisboa falte o ‘bom dia’ do vizinho, talvez em Lisboa sobre cimento e torres onde gentes anónimas pernoitam após regresso extenuado a casa, talvez a oferta cultural seja tanta que entristece aquele que nem para o seleccionado consegue tempo, talvez em Lisboa os ciclos da Terra sejam menos pronunciados, talvez cada um esqueça demais quem é, talvez cada um lembre demais quem não foi. Talvez.
E viva a Beira e o bacalhau à Aquilino de quem Salazar dizia :não gosta de mim , mas não faz mal...é um grande escritor....
A linguagem de Aquilino Ribeiro caracteriza-se fundamentalmente por uma excepcional riqueza lexicológica e pelo uso de construções frásicas de raiz popular, cheias de provincianismos.
Aquilino foi sobretudo um estilista e, por isso, a sua linguagem vernácula e sem estrangeirismos é arejada, frequentemente condimentada nos diálogos com expressões entre grotescas e satíricas.
Apesar de ter optado por uma literatura de tradição, Aquilino procurou ao longo da sua vida uma renovação contínua de temas e processos, tornando-se assim muito difícil sistematizar a temática da sua vastíssima obra.
Num número considerável de obras, Aquilino reflecte, ainda que distorcidas pela imaginação, cenas da sua vida: o convívio com as gentes do campo, a educação ministrada pelos sacerdotes, as conspirações políticas, as fugas rocambolescas, os exílios.
Até 1932, ano em que fixa residência na Cruz Quebrada, todos os ambientes, contextos e personagens que Aquilino cria, remetem para a sua querida Beira natal. O Malhadinhas, Andam Faunos pelos Bosques e Terras do Demo constituem o melhor exemplo desta situação. De facto, ver-nos-emos, com uma extrema facilidade, envolvidos com as suas personagens beiroas, os seus costumes, tradições e modos de falar típico. É certo que este processo tem as suas vantagens e interesse, mas limita em demasia os horizontes enquanto escritor.
Aquilino Ribeiro como escritor não pode ser enquadrado em nenhuma das escolas e tendências da sua época.
cima - de telhados, arquitecturas, ruínas, lajedos e seus remendos de zinco, alumínio e lusalite, projectos de recuperação e outros arremedos de repovoamento, estamos bem aviados!
o comentário acima era para outro post, de vetustas glórias!
aqui ficaria bem, talvez, uma sugestão musical: http://www.youtube.com/watch?v=NPylDFoE1lU
porque há mais que um talvez
por vezes, talvez demasiados talvez
na crónica, o último talvez é de propósito e efeito assertivo, talvez poético também, mas de todo o jeito derrama biletes de certeza depois de bem fazer pensar, em meandros e camadas sucessivas para assentar, no leitor/interlocutor, a chama de algo em risco, senão perda, por contraponto a um mundo guardado na perfumada gaveta das memórias matriciais, sempre à espreita de ideiais oníricos a que E. Lourenço chama saudades do futuro, na verdade um futuro melhor, porventura ideal, mas ai de quem perca o sentido crítico, a lucidez de desejar (e reivindicar! e empreender!!) um mundo melhor, lugares de sonho, afinal