Autor que não foi possível identificar
Numa unidade de saúde, Centro de Recolhimento recatado. De segunda a sexta, pelas cinco da tarde, missa para utentes e visitantes. Acompanhei quem ali me levou e o embate com os crentes da unidade de cuidados continuados, muitos em cadeiras de rodas perfiladas frente ao altar, não me foi estranho – a doença e o fim da vida são chegados inopinadamente, julgando todos que estamos neste mundo para “lavar e durar”. Daí a convicção de fruir de cada dia como se fora o último e novo são amanhecer apenas possibilidade. Este modo de encarar o precário traz benefícios ímpares: abertos os olhos para a manhã começada, é tempo de alegria, ronceira antes do ‘café das velhas’ mas alegria ainda assim, que favorece planos amistosos e preciosos, concretizá-los, gozar das pequenas/grandes coisas o melhor.
Alto, esguio, sem a clássica voz de seminário, o sacerdote pediu desculpa pelos minutos de atraso. Enquanto duravam, vozes ensaiavam os cânticos, a Doutora Teresa, utente do centro gozando oitenta e seis anos pujantes que somente a visão afecta, dispôs sobre a toalha alva os livros santos abertos nas páginas das leituras, acendeu vela/símbolo de fé, cuidava de estar pronto o necessário. Já paramentado, feita a saudação aos fiéis, vozes suaves cantaram louvores pelo dom do momento. O ritual litúrgico prosseguiu como é comum. Não. Mais intenso – crença espiritual vívida dos presentes, tocante para quem assistia pela primeira vez no contexto. Ao devido tempo, atribuída a extrema-unção a três dos presentes, dois deles idosos com respiração esforçada, outro, uma senhora alta na idade meia da vida previsível estatisticamente. Vestia tons claros que favoreciam a jovialidade da aparência; acompanhavam-na marido e filha atentos. Jamais tendo assistido à «ministração» do sacramento, salvo na agonia da morte e no estado de quase inconsciência, foi tumultuoso o sentir. Ver pessoas a entenderem o instante da bênção para o final sem um gesto de desalento ou lágrima caída na face constituiu sinal de preparação prévia e rebate que todos precisamos para colocar o ocioso das horas em esconso remoto.
Mais aprendi: actualmente, a extrema-unção é prestada enquanto a capacidade de escolha individual existe, arredando familiares ou acompanhantes de decidir o que bem pode ser oposto às convicções do enfermo. Abrir portas do Céu a quem nele não acredita é violar o livre arbítrio pertença dos humanos.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros