Foi surpresa que Coimbra me reservou voltar às marionetas dos meus amores. E moviam-se com mestria, encantadoras pelos personagens criados, pelo detalhe do cenário e dos figurinos. Havia prazer no homem que pela dança manuseada lhes conferia vida. A música de fundo surgia sem donde conhecido. Ora, se nem pneumonia brava me impedira, há muitos anos, de assistir na Gulbenkian a um espectáculo das “Marionetas de São Lourenço”, como poderia distracção e passar ao lado sem me quedar embevecida? Apaixonei-me cedo pelas oferecidas na infância. A partir daí comprava-as nos lugares andarilhados. Em Florença, um pierrot veneziano, imponente pela beleza e pormenor, pela altura também, viria na bagagem acompanhado por pinóquio distinto dos vistos até então. Altura semelhante à do pierrot, faziam parelha belíssima. Tantas adquiri que o termo colecção descrevia o conjunto. Achei injusto ser uma adulta a gozá-la - ofertei-as a crianças nas quais o fascínio transbordava. A última foi o pierrot.
Chegada à Igreja de Santa Cruz, descoberta a fonte da música. Era um virtuoso à altura da monumentalidade do largo. Numa esplanada fruí do inusitado prazer, comum fora de portas, ainda raro em cidades portuguesas que não as capitais do trabalho e do país. Arte também nas castanhas assadas a preceito, no simbolismo sazonal que representam.
Nas ruelas que de Santa Cruz partem rumo à Baixa Velha, foi imposto, pela pressa, ir adiante do muito a registar. Mas não há celeridade que resista a cerâmicas, aos velhos símbolos do “aqui há comes e bebes”. As prostitutas circulam misturadas com outros passantes nem mais nem menos impudicos do que elas. A cada um seu ofício e caminhar.
Já na área verde ribeirinha, pela Aguieira e pelo açude o Mondego no seu melhor, é apuro o design que embeleza a margem. Reminiscências estrangeiras e míticas na arte do vender e consumir.
O seu a seu dono... Se por mais não fosse, estes seus escritos sobre quotidianos de antanho e de hoje (casas azulejos etc. etc.)de Alfamas a Coimbras passando por Alentejos e Algarves seriam só por si motivo de orgulho (seu). Esperando reunir em mim todos os "estetas"que lhe dão troco no SPNI e sem modernas pinoquices (p,. ex. nariz do Sócrates e narigaças outras) aqui lhe deixo parabéns e um bem haja. (Se bem que às vezes e em croniquetas outras, me apetecesse mandá-la curtir para bandas outras. Mas como dizem nas faldas da sua (nossa) da Estrela Serra no melhor pano cai a nota (perdão a nódoa). Stay good.
com coisas destas tão comezinhas (mendicidade disfarçada de arte) levanta-se a questão: o que é arte?
então, saia o artesão, o artista do grosso e do fino, e vejamos arte em tudo que nos rodeia, não apenas nas cidades onde há de tudo para todos os gostos e onde todos os gostos andam à ventura de tudo que lhes possa por ventura agradar
Ainda os" bonecros e os bonecreiros": Descobri-os hà muitos quilos atrás através da minha prof de literatura dos antigos 6º e 7ºs anos de seu nome Aliete Galhoz, a maior pessoana deste país.(aqui fica o agradecimento que espero não seja póstumo)... Dizem daquele que chamavam o mestre, Domingos Moura, de Matosinhos, que nos anos 50 era fácil de encontrar com o seu teatro de robertos nas praias, feiras e romarias do norte do país e nos jardins do Porto. Um outro mto famoso é António Talhinhas, o último de uma geração de bonecreiros de Santo Aleixo. Tendo em mestre Salas, o apresentador, e em padre Chanca, o clérigo desonesto, os seus mais distintos personagens, os bonecros de Santo Aleixo são porventura a mais representativa marioneta portuguesa. Com a postura e as técnicas retiradas do teatro medieval, as peças baseiam-se em textos retirados da bíblia, onde se mistura o divino e o profano, histórias sagradas e vivências do meio. Os bonecreiros eram poetas populares de improviso,que conseguiam conseguiam estabelecer uma relação com o público, incentivando-o a sugerir deixas e a responder aos piropos. Essa ligação estreita com o povo, porém, nunca foi bem vista pelas autoridades. Não conheço nenhum bonecreiro que não tenha sido perseguido ou preso - Domingos Moura é disso um exemplo - e na idade média alguns chegaram mesmo a ser queimados. Diziam o que não convinha, enxovalhando as figuras representativas da sociedadeí. Apesar da popularidade, a sobrevivência era difícil. O público sempre foi constituído maioritariamente por crianças, fazendo com que vivessem praticamente de esmolas, ou do 'migalho', como a elas se referiam. A marioneta tradicional encerra diversos segredos. Um deles esconde-se na voz alterada dos bonecreiros, conseguido através de uma palheta bocal que confere os tons esganiçados e divertidos que emprestam às personagens. Uma técnica mantida tão estrita ao longo dos tempos, explicam, e que muitos morreram sem a revelar. Outra das facetas secretas é o som da guitarra que acompanha os espectáculos dos bonecros de Santo Aleixo, afinada especialmente para o instrumento adquirir uma sonoridade quase mágica. Aqui vai bonecrada...arte da boa... http://youtu.be/e2DB_GsVTr4