Na vida adulta dos meus avoengos, o pecado da luxúria falava espanhol. Melhor, encantava em espanhol, convencia por gemidos e obtinha através de beicinho e volúpia. Os casinos da Póvoa de Varzim e da Figueira da Foz desfaziam, no Norte e Centro, fortunas em menos de um Pai Nosso rezado, com fervor e de joelhos prostrados, frente aos oratórios pejados de Santos e santinhos pelas mães e «esposas» devotas e (des)enganadas.
Os desvios do bom caminho de um ‘rapaz de família’ começavam nas 'Repúblicas Coimbrãs', aí continuavam até o enérgico «Basta!» do pai de família ao temer exaurida a bolsa. Tinham interlúdio no casamento por amor ou «arranjado» que legitimava discretas e ocasionais derrapagens desde que na ignorância da respectiva e ao jantar, servido a horas, ninguém faltasse. Um sossego!
Amornados os sentimentos, a modorra instalava-se. Os negócios entediavam e os ímpetos careciam de potenciados estímulos. Os parceiros de tertúlia garantiam:
_ “Do que precisas é da Conchita! Ficas outro!”
E ele ia. E ficava. Enrubesciam as faces, o olhar coruscava, o riso bailava e a vela dos negócios enfunava como se alísio soprasse. Tudo corria de feição até o homem se apaixonar. Aí começava a pensar, falar, comer e gemer em espanhol sob o imperioso domínio da horizontalidade das artes de nuestra hermana. A Conchita florescia, a fortuna do homem diminuía, o tabelião afiava as unhas, a Conchita abalava e as mágoas perdiam-se à mesa de jogo. As devotas mães e esposas continuavam prostradas de joelhos, levantando o olhar fremente para os Santos e santinhos. O oratório, esse tinha desaparecido.
Um amor assim delicado Você pega e despreza Não devia ter despertado Ajoelha e não reza Dessa coisa que mete medo Pela sua grandeza Não sou o único culpado Disso eu tenho a certeza Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Senhora, serpente, princesa Um amor assim violento Quando torna-se mágoa É o avesso de um sentimento Oceano sem água Ondas, desejos de vingança Nessa desnatureza Batem forte sem esperança Contra a tua dureza Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Senhora, serpente, princesa Um amor assim delicado Nenhum homem daria Talvez tenha sido pecado Apostar na alegria Você pensa que eu tenho tudo E vazio me deixa Mas Deus não quer que eu fique mudo E eu te grito esta queixa Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Amiga, me diga...
se o mal não passar com essa magistral oração... então o caso é grave (satiríase?) e há que recorrer aos anais para encontrar outras saídas para a crise... ;-))