Terça-feira, 3 de Janeiro de 2012

NO PALCO DO POLIEDRO

Autor que não foi possível identificar

 

O Pedro. A alma. A boca. As mãos. O cabelo com brancos esparsos. A idade madura alvorecida. O afecto. A pele dizia sim num abraço ou beijo aflorado. Primária no respeito pelos instintos. Não lhe mentiam. Quando um novo ser lhe enregelava a cortesia, raridade que os dedos contavam, sumia. Do contrário, fruía.

              Recostada no conhecimento macio do outro, entregava horas e obtinha deleite/alimento na viciosa precisão de entender. Vulnerabilidade? Uma de muitas. Pulsão também erótica sendo homem o interlocutor. Por se confirmar jogadora, disponível para o encantamento, usava a mestria antiga das mulheres que sabem ser fêmeas na mãe, na filha, na amante, na amizade, na profissional, na companheira, na puta rebelde ou submissa. A gruta poderosa que verte sentidos e enlouquece na dádiva e no querer. Tudo compunha no colorido das telas que dependurava na parte nua da galeria íntima.

                O Pedro esculpia intensidade no elo mantido sem cama revolta que explicasse almoços e serões confidentes. Sem adianto pelo julgado amor por quem, no Norte, compunha puzzle de notas em pautas. Harmonias que o eram antes de serem no fosso da orquestra. No palco do poliedro. Nos Grandes Auditórios do CCB e da Gulbenkian. Noutros lugares.

                 Bucareste em escala e página. No regresso de Praga nevada, por ali ficara horas. Curtas. Bastantes para um café solitário, para uma cigarrilha mal fumada no esconso da plataforma aérea. A free shop sem apelo - lugar de griffes costumadas. Sabia-as de cor e os preços tabelados. Noite. Sempre a noite. Os pertences em monte no assento plástico da porta onze. Abafo no braço, cache-coeur entrelaçado sob as curvas gémeas e contrárias do peito – mamas, sabia, termo correcto. Talvez ao Carlos ali tão perto apetecesse o pérola justo das calças, afundar a língua nos recortes. Não telefonou. Que não lhe soubesse da ida e vinda. Que a imaginasse a coberto da alvura das paredes da galeria e daquelas entrecortadas por ameixa e verde lima onde dormia, dormiam e fingiam casal entregue. Que não eram ou ele era e ela também e não sabia. Mas queria. Desejava a ternura da conjugalidade sem obrigações e malefícios. Porque os havia. Lancetavam a beleza do quadro. Evitava-os pela tragédia. Ainda ferida sem crosta. Aberta. Até sempre ou um dia.

           O Carlos, o Pedro. O ponto e o contraponto. O amor interrogado e o que não seria podendo ser. O Carlos fabricando aletria, rabanadas no pós Natal. Mês mais tarde, o cardápio arrojado; na dobra a espiga. A 15 de Fevereiro, recebera-a à mesa. O menu no carnaz da colagem. Dizia: Jantar Deboche. A ementa brejeira foi gargalhada sem parança.

            O deslumbre pelo Carlos também adviera do arrojo e da faceta colectora de beleza em formas várias: pintura, canetas, automóveis miniatura de sonhos crescidos, livros lidos, gravações raras, as colagens e as réplicas de teatros mito que construía copiando detalhes dos panejamentos.

            E houve jantar e deboche. No dia seguinte, enquanto ela demorava o arranjo, sabia-o ouvindo a gravação preferida sob a luz filtrada pelo abajur cereja da sala sombria; pulôver encarnado e o semanário como leitura. De mansinho, sem que dela ele soubesse, fumou no terraço coberto a primeira cigarrilha do dia.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:58
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De c a 3 de Janeiro de 2012
conto, caderno, livrito?

a gruta poderosa pode ser o fim sem princípio?

a puta está sempre lá, como a fêmea?

e a mulher... não se sabe?

no bairro, no poleiro, na escola?




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