Mihai Criste
Bufam autocarros de rolar pesado, apitam condutores desabridos e desavindos com a pressa ou a dolência dos outros, agoiram dramas os sonoros avisos das ambulâncias, roncam ziguezagues as motas no caldo motorizado das vias urbanas. O «encarnado» impacienta pelo vagar, o «verde» angustia por ser curto demais, o amarelo pisca o olho aos peritos em «verde-tinto» - dele conhecem os segundos permitidos ao acelerador. Chiam travões nas passadeiras, rosna a subespécie humana promovida a condutor poderoso que os peões julga detritos dos escoadouros viários. E há o fumar-chupado de um cigarro, a beata largada pela janela, o tamborilar dos dedos no volante ao ritmo da ânsia pela chegada, as notícias e a falta-delas e a música e a patética voz (des)animada do locutor que a sintonia baba e a trauteada leitura do CD – quantas vezes raivosa, quantas entediada. E ao mecânico e rigoroso pulsar do tempo a subjetividade do indivíduo chama mentirosa.
Quem do tempo requer tempo para o tempo diário de «ser», começa por fruir desse tempo nos tempos que diria mortos. Sai mais cedo que a pressa. Ao volante, caindo o proibido-avançar, atenta nos enfeites da manhã, em detalhes da arquitetura que o hábito esqueceu. Ouve a cacofonia exterior como o respirar da vida, ou evita-a, cerrando os vidros, para deleite de música harmónica com o instante do «eu». E se é neutro ou soalheiro ou húmido ou frio o dia, quem ama o tempo dele ama e respeita o diverso. Aproveita a consciência do inexorável pulsar atómico para desfrutar do segundo que, ao pensá-lo, já passou.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros