Viagem acompanhada pelo mistério de Henri Michaux no “Estou a escrever-te dum país distante”. Título e começo do poema. Lugar omisso. Propício ao inventar do eu e da ela que dialogam. Na publicação da Hiena Editora, o mérito de texto bilingue e o traduzir criativo do Aníbal Fernandes. As ilustrações de Joaquim Bravo, uma por poema - nunca cópias do traço de Michaux -, achegam-no, todavia, à memória.
Leitura feita nos primórdios do caminho literário adulto. Vibrei. Palavras houve gravadas no inconsciente a remeterem para nostalgia de aventura oculta jamais vivida - “Só temos aqui, diz ela, um sol por mês, e por pouco tempo. Dias antes já se esfregam os olhos. Mas em vão. Tempo inexorável. Só quando lhe dá o sol, aparece.”
Milhões de palavras depois, restaram junto a outras também impressivas. Outono findava na ocasião da primeira leitura. Voltaram nos Dezembros como este, como todos em que a luz decai sempre cedo. Releria o livro soma ou fracionado a pedido do sentir. Nos entardeceres prematuros, mal o sol se desvanece no longe coberto por nuvens malva polvilhadas ou não com cinza, lembro: “Tempo inexorável. Só quando lhe dá o sol, aparece.” Arriba a convicção de arredar tristezas como lareira espevitada em contraponto com a pobreza de lâmpadas de 100W ou equivalentes.
Acerca de Henri Michaux, escritor, pintor, realizador dum filme sobre as drogas que o consumiam, mais diz qualquer Wiki. Frase iniciática numa delas: “Explorou o eu interior e o sofrimento humano através de sonhos, fantasias e experiências com drogas.” Para os leitores, alucinogénios são os poemas. Com eles percorrem desconhecido e conhecido ao natural ou mascarado. Reinventam luzes, a perceção do tempo que desde o nascer todos altera. Como poema matemático de Einstein na Física.
@(soprando a poeira de um livro antigo): Hamlet. O vento limpa as páginas empoeiradas pelo tempo revelando a mesma história. Procuro uma página da qual eu gostava muito. Será que ela sabe da minha saudade? Ou lhe será indiferente, já que seus próprios sentimentos são tão grandes que lhe enchem até a borda? Alcançar a personagem, examiná-la, experimentá-la, por fim começar a se confundir. O que seria dessa história se eu pudesse prender em minhas mãos os seus crimes e suas vinganças? Assim, arranhando as unhas contra o papel, arrancar dessa história as palavras pai, distância, vazio, pecado, poder. Abro o livro como uma cortina em minha memória e encontro um desconhecido no caminho. (entra hamlet niño correndo) Ficamos em silêncio. Seu rosto está mortalmente pálido e seu nariz está sangrando. Yorick(entrando vendado): Ah, você estava aqui! Agora é a sua vez! (tira a venda e cobre os olhos de Hamlet. Música forte. Hamlet pega Yorick.) Não se assuste, criança. Não sou perigoso. Pega a minha mão. Assim. Você sente a minha mão? Os dedos, as veias sob a pele, o pulso, está com medo? Na minha idade as mãos ficam um pouco frias. Olha para os meus pés. Eles estão brancos de polvilho. (faz um truque barato e sobra um lenço na mão) Você conhece este truque, não é? Que aspecto! Olhos inchados! Tome, banhe os olhos! Toma emprestado o meu chapéu. Sabe que ele fica bem em você! Espere! Um pouco de perfume! (sai)
Bela escolha. Tivesse o link completo e publicava amanhã. Não o pode, please, acrescentar? Lembrar os clássicos nunca é demais. Fico-lhe a dever esta. :)
Bom dia. Muito obrigada pelo link fornecido. Sendo o credível estudo extenso, estou próxima da metade na leitura. Interpela quem escreve e só um distraído passa adiante. Depois, existem as coincidências. Há que levá-las em conta. Exemplifico: no texto do dia 15, escrevi "Como poema matemático de Einstein na Física." A frase surgiu pela minha formação académica na área das ciências e pelo meu atávico gosto pela matemática. Nesta, encontro beleza na conjugação dos números tal como nas palavras de um poema. Asseguro jamais ter lido “Einstein, Hamlet eTom Zé na coxia”. Einstein é frequentemente convocado na literatura como fica provado. Agradeço ter-me reforçado esta e outras análises a partir do link.