Kenney Mencher
Pergunta: “Alguém que me diga o significado de «boa pessoa»"? Aventuro explicação.
A crueza quotidiana não é de hoje - assim foi, assim será. No decante, ao passado atribuímos feitiços vários, rodeamos de confettis idos sem regresso que emolduramos à subjetiva medida do querer. Confundimos fatos com desejos de ter sido. Que não foram. Ou foram e a consciência rejeita. Fábricas de recordações ao serviço do alter-ego. O «eu-projeto» a quem toda a confiança é devida. Sem, in factum, a merecer.
Por que melindres com o próprio tornam argiloso o solo onde se fincam alicerces individuais, preferimos fabular o atrás acontecido. Isto digo nada percebendo da anatomia do todo que a pessoa é. Descaro de viciada em especulação científica e do mais que pouco conhece, sem desistir do empírico entendimento de si e do cumprido tempo em que foi, ainda sendo.
Algumas das ditas “boas pessoas” merecem despiciendo petit-non: «totós». «Anjinhos» - aturam, engolem e digerem quase tudo. São as double B: «Boas-Bocas». Na gastronomia das relações raramente acusam alergia a um alimento ou o culpam de azia. Da cebola e dos alhos queimados num estrugido não reclamam; podem comentar que já resultou melhor, mas afirmá-lo péssimo seria tortura maior do que engolir e calar. E calam no estrugido, nas malfeitorias que testemunham ou de que são vítimas. Pois se atingem o ponto de bater no peito uma, duas, três vezes, a cabeça baixando num mea culpa contrito somente por existirem... E ressentimentos, acumulam? Poucas não, muitas sim. Porque cederam. Porque abdicaram de si e o aparentemente engolido ficou atravessado no gasganete. Como espinha de sável mal cortado e pior frito. Aos que encaixam no retrato abrange-os termo simples: pusilânimes.
“Pessoa boa” é quem ao tempo em que é traz acrescento – pela tolerância crítica, pelo diálogo com o mundo (bem pode ser o que avista da sacada e não vai além da esquina da rua), pela generosidade, abnegação se a bondade dos valores ou ideais constantes do privado rol de prioridades exige. E dão o corpo, a alma e a camisa por causas eticamente consentâneas com a família, o respeito pelos outros e por si próprios, a solidariedade com o planeta e com quem, racional ou irracional, nele mora. As "pessoas boas", como as entendo, existem. E rodeiam-nos muitas. Nesta planura redonda, um exército de bondade faz a diferença que a esperança exige. Acredito.
Nota: publicado ontem no "Escrever é Triste".
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