Oleg Tchoubakov
Escrever é triste, como disse Drummond; mas ler é extremamente aborrecido. Por isso, em muitas leituras, é comum saltar parágrafos ou procurar saber quando o livro acaba. Durante muito tempo este instinto pernicioso do mau leitor foi cientificamente denominado preguiça intelectual. Mas se o problema não estiver no leitor mas no autor ou no livro? Ou se afinal o hábito de saltar frases, paráfrafos e páginas for simplesmente um método, repleto de carácter científico, que leva o leitor a ler mais e melhor, que o ajuda a chegar à próxima página e, página a página, ao tão desejado fim do livro?
Esse é o Método Marilyn. Quem o "descobriu" foi Richard Brown e a 27.08.2012 ele foi recordado em Escrever é Triste por Maria do Céu Brojo:
Joyce, o dia 16 de Junho de 1904, dele, em “Ulisses”, as horas parodiadas de Leopold Bloom, Molly Bloom e Stephen Dedalus nem sempre estimulam leitura continuada. Eve Arnold, a mulher pioneira do fotojornalismo, reteve imagens várias da capitosa loura de Hollywood, Marilyn Monroe. Algumas, ignorando poses, revelam-na entretida com um calhamaço que a alheava do redor: “Ulisses”. Daqui, a pergunta: “Ela leu ou não leu?” Acrescento: atriz até nos momentos devidos ao repouso entre sessões fotográficas?
Décadas após, Richard Brown quis romper o mistério. O professor de Literatura escreveu a Eve Arnold. Que sim, que Marilyn já o lia quando a conheceu. Em voz alta, confessara-lhe, por gostar do estilo, conquanto difícil. A loira mítica assim desmentiu o (pré)conceito de ser apenas um belo corpo exposto generosamente e desprovido de pensar lógico convincente.
Facto é o professor Brown transpor para a atividade letiva o aprendido na investigação: “Ulisses” não deve ser lido com a persistência da água que corre até furar pedra. Abri-lo ao acaso, ler um trecho, depois outro é a recomendação de Brown aos alunos. “Método Marilyn”, chama-lhe.
E comenta depois MCB:
O mais curioso é o conselho de Brown ter alguma validade. Na fase em que lia quase tudo do recente aparecido nas livrarias — houve cura, felizmente! -, desbravei o “Linguado” do Gunter Grass seguindo o método. Após meia obra digerida no modo tradiconal, não resisti: intervalei páginas. Foi o melhor.
Quer-me parecer que o intervalar proveitoso de páginas no “Linguado” do Grass não será fruto de mérito do método mas antes da natureza do livro. Grass nunca me convenceu, por isso não me espanta que, nele, o método funcione.
É verdade que Calvino me convence e é possível ler Se Una Notte d'Inverno un Viaggiatore ou Palomar através do pululante Método Marilyn" — mas é possível por causa da natureza fragmentária das narrativas “calvinianas” (não confundir com calivinistas, de Calivino, o protestante).
Por outro lado, é obrigatório ler José Luís Peixoto ou Margarida Rebelo Pinto de acordo com esse método, que é outra forma de dizer é conveniente, deles, não ler coisa nenhuma.
No entanto, se tentarmos um romance de Dostoievsky ou, numa maior relação causa-efeito, um livro de Agatha Christie, o método torna-se confuso. aliás, seguindo o "Método Marilyn", que seria do pobre Poirrot?
Bem vistas as coisas, o "Método Marilyn" é o que uso nas livrarias quando tenho dúvidas sobre a qualidade de um livro. Cinco minutos são mais do que suficientes. E, uma vez aplicado o método na livraria, por norma com sucesso, já não tenho necessidade de o aplicar em casa.
Quanto ao Ulisses de Joyce, o que recolhi da minha experiência de leitor e do convívio com alguns académicos mais fanáticos é que este romance tem, como certos livros — ex.: À La Recherche du Temps Perdu de Proust -, uma característica muito particular: o agendamento.
Os livros, como os frutos, devem ser colhidos no seu tempo próprio. Os morangos (se não falho na cultura agrónoma) são em Maio. Proust e Joyce são na terceira idade — na pior das hipóteses, nunca antes dos 50.
Por essa altura, a languidez, a experiência, a paciência oriental adquiridas na bagagem de um espírito que se tornou melancólico, fazem com que saiba bem seguir as viagens de Bloom nos labirintos do seu quotidiano ou as memórias de um Proust acamado. Por isso lá estão, na prateleira, a olhar para mim, enquanto esperam que também eu me veja nesse estado.
Até lá, vou aproveitando o ser novo e prático para ler livros com maior dose de leveza, como os de Kant, Nietzsche ou Tolstoy que, comparados com os de Proust e Joyce, parecem a Treasure Island de Robert Louis Stevenson.
Moral da crónica: evitar o "Método Marilyn" é aplicar o método no momento da compra e guardar o livro para o seu tempo próprio.
Ainda que, a julgar pela extensão deste texto, aplicarmos aqui este método também possa vir a provar-se uma medida útil. Há extensões que fazem mesmo apetecer um salto para a última página.
Quando acaba mesmo esta crónica?"
Nota: leitura em
http://opiniaocronica.blogs.sapo.pt/3017.html
Décima Crónica: O Método Marilyn, Segundo Richard Brown e Maria do Céu Brojo. Agradeço ao Miguel João Ferreira a magnífica análise feita.
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