William Bouguereau – “Les Jeunes Baigneuses”
Na escola primária de granito com recreio amplo em terra batida, decorriam brincadeiras que ainda hoje as crianças têm. Cansada das comuns, a menina que seria minha tia e freira resolveu brincar às missas. Meninas de joelhos, pés tapados com lenços como viam às mulheres que, pela ajuda das saias compridas, na igreja faziam o mesmo. A tia atamancou um dos sermões do tio padre António da Ordem do Espírito Santo que fez de África o seu amor. Levantados os braços, disse com pompa na voz e na postura:
_ “Escavai bem escavadinho e encontrareis gotinhas de água.”
Reclamando os ouvintes por ali dela não haver vestígio, foi transferido o sermão para a ribeira da Ponte onde água não faltava. Consta terem chegado a casa encharcados os petizes.
No outro lado da aldeia, a ribeira do Muchata era tentadora: margens livres e planas, ervadas, algumas rochas pelo meio da correnteza mansa a pedirem saltos para a água. As mulheres do lugar lavavam roupa, estendiam-na e deitavam olho à pequenada que por ali cabriolava. A futura senhora minha mãe era terrível pela ousadia nas brincadeiras. Provas bastantes deu para inquietação dos pais e de quem dela se encarregava; amainaria na adolescência ao ter-se por menina/senhora. Entre as traquinices é contada a de fazer escorrega dum penedo alisado pela erosão e que à água da ribeira determinava remoinho. Supunha, era o costumado, parar a tempo, repetir subidas e descidas vezes a fio sem molhar as extremidades das sandálias. Num impulso mais arrojado, estatelou-se na água. Quem dela tomava conta, numa corrida, foi a casa avisar a mãe, a minha doce avó ‘Mamia’. Não só proibiu muda de roupa que à filha cobrisse, como, sem delegar em ninguém a tarefa, foi buscar a infratora. Num canto, amarfanhada pelo medo e frio, a garota esperava. Firme, a mãe fê-la atravessar o povoado humilhantemente embrulhada em toalha que nos arbustos secava. Os anais familiares garantem sobre a criança não ter repetido a graça.
O sol e o degelo e o despontar dos verdes anunciavam, breve, a Primavera. Na varanda com sacada de ferro torcido em curvas caprichosas, entretinham-se as duas irmãs. A mais velha, um mês sobrava para dois anos na diferença de idade, cantava na sua pequenez enquanto a irmã fingia tocar:
_ “Toca a «coneta» nossa menina!”
A ‘tia Amélia’ à janela, habitual posto de vigia, conquanto se afirmasse eternamente amiga da família, não reprimiu veneno:
_ “Olha o padre-nosso e a avé-maria que a mãe lhes «enxina» de «noute»!
Noutras vezes, e porque tinha pouco apetite, a mesma das manas refugiava-se em casa da ‘tia Amélia’ que cozinhava na lareira o pouco de que dispunha; os filhos comiam sentados no chão em paródia desmedida. Ali, a garota não escusava alimento fosse ele qual fosse, bastas vezes enviado pela mãe para matar a fome da filharada em frente. Feliz por ver a petiza alimentar-se com gosto, assomou ao balcão: (…)
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros