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Caramulo em fundo. Longe. Muito longe se medidos os quilómetros. Perto, se contados os 90 minutos para lá chegar. No terraço, repartido entre cenário de montanha maior e horizonte vasto de que o Abel Manta compôs aguarela mestra, o calor de estio não chega ao amanhecer. Somente passado o meio do dia, se faz impor. Antes, é a frescura abobada por azul limpo.
Num dos cadeirões exteriores, ela estica as pernas. Pés pousados no recorte em grade protectora. Pensar esvaziado do mais que entupa o instante. Ouve voz conhecida:
_ ********, o café!
E ela, em roupão fino, voa pela escadaria, galga o empedrado de granito, salta evitando as poças da rega, abre o portão pequeno. Meia centena de metros de uma casa à outra. Ela espera-a no jardim emoldurado por cedros. Altos. Partilham conversa, risos e café na cozinha. Porta escancarada.
Entre as duas mulheres, uma geração de intervalo. Ela viúva há quatro demorados anos. O marido presente nos detalhes do espaço. Sem nostalgias bacocas. Conservada a presença que a cidade e arredores respeitava. Gostado por todos - efusivo, simples, culto, solidário e amante da convivencialidade. Sucediam-se automóveis à porta. Gentes atraídas pelo Homem com Mulher à altura.
Na terra pequena, outrora vila, a separação de estratos sociais era rígida. Ela, filha de um funcionário no Clube dos Industriais. Olhos verdes, cabelo negro. Ele, personagem maior. Separado da mulher/esposa que o regime salazarista impedia de partir, livre, para a vida. Quinze anos de diferença. Ultrapassaram moralismos hipócritas. Viveram, com escândalo e reprovação geral, anos muitos. Casaram, após o 25 de Abril. O filho comum, fruto do pecado legal, filho de amor perante Deus, testemunha a harmonia da família.
A Dona Joalina resiste à solidão. Colmata-a através dos muitos amigos que a procuram e mimam. Procura a ******** e fala. Exorciza a solidão que resiste aos convites e à vinda das gémeas/netas. Riem ambas. Partilham intimidades. Assomam lágrimas pelas alegrias comuns. E tantas são…
Quem numa sociedade fechada, operária e rural, afronta o «diz que disse» por amor, sem ais ou lamúrias, tem direito a preservar os lábios carnudos como os pêssegos do jardim. Viçosos os olhos de parra de videira nova na Primavera do caminho.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros