Sábado, 13 de Novembro de 2010

NUMA DE JÚLIO DINIS POBRE

Gerald King, Spencer Williams

 

Primeiro era a quinzena banhista emoldurada por nevoeiros e morrinhas e barracas alinhadas e mar bravo e a corda a que se agarravam os menos afoitos - gritinhos arrepiados e medrosos das crianças e senhoras, apito potente dos banheiros/vigilantes. Havia areia grossa fácil de sacudir nas praias de Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Depois, fosse descartada ida à «estranja» desenvolvida, um mês de férias rurais. Repartida a criança, depois jovem - mais tarde, a mulher alteraria a ordem dos ócios nos Verões - entre a família quase minhota e a beirã nada p´ras bandas da Estrela. Tradição unificadora das contribuições genéticas por via de pai e mãe, a pertença pelos avós, geograficamente afastados, de solos que rendeiros faziam desabrochar. Latadas em abóbada ou telheiro limitavam propriedades onde o milho havia de crescer e atingir altura desmedida para a garota que era. Nele se perdia com os primos e com a garotada gerada pelos trabalhadores contratados. Do cheiro da terra, do pé-ante-pé nos canteiros de favas e alfaces, não fosse a «canalha» enxotada, das escondidas jogadas entre feijoeiros enlaçados ou fetos e sobreiros nas bouças, lembra detalhes preciosos. Folguedos que na Beira Alta retomaria com meninos outros. Ali era a batata, eram as vinhas, as oliveiras, também o milho conquanto menos altaneiro, a ribeira semeada de granito em penedos que dividia a meio uma das quintas. A preferida. Chamarizes, além da ribeira, as «minas» e o tanque de rega onde na água gelada mesmo no pino do Verão a criançada nadava metros. E também havia gritinhos e chilreada mais feliz que a dos melros volteando cerca dos espantalhos e deles rindo.

 

Mas era duro o trabalho no campo chegadas chuvas frias e neves. Isto aprendeu porque viu a miúda nas férias do Natal. Colher azeitona obrigava a bandos enregelados, dependurados nos troncos, curvados sobre os fardos onde cada fruto era pepita. Mãos doridas pelas frieiras. Corpos tinindo. Pés insensíveis pelo frio. E saía da quentura da casa com três lareiras acesas para o vento cortante, posta que era, pelas onze horas, a «fatia». Sentado o bando, ela com ele, comia presunto e farinheiras assadas e chouriço e queijo da serra e pão de genuíno centeio cozido no forno da casa pela Arminda de cujas mãos saíam pitéus que o palato regista.

 

Naquele tempo, cada parcela de terra era pérola dum rosário verde, para muitos, contributo decisivo para a subsistência. Abandonada seja a descrição romântica à Júlio Dinis, neste tempo, são falados loteamentos e hortas nos campos abandonados das urbes ou noutros lugares. “Banco de Terras”, chamam-lhes, que possam servir quem as quiser trabalhar com finalidade idêntica à primordial. Zelar pelo plantio ou sementeira, colher tesouros vistos a cada dia maiores, servir à mesa bênçãos do labor agrícola é ajuda que faz bem e faz crescer. Jovens, licenciados ou não, gentes na idade madura, perfilam-se como candidatos às fracções. Sonhadores, precisados juntos, também pela fatalidade, na valorização da terra e dos frutos nela erguidos.

 

CAFÉ DA MANHÃ

  

publicado por Maria Brojo às 11:18
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13 comentários:
De Acúçar C. a 13 de Novembro de 2010
Belo texto e magnífico aproveitamento. A prosa romântica, do Júlio ou nossa, não precisa de ser abandonada. A palavra, mesmo despida, não deve criar/alimentar divagações e levar-nos com eficácia (prgmatismo?) ao essencial, sem rodeios.

http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=1709046
De Maria Brojo a 14 de Novembro de 2010
Açúcar C. - quanta pena por não ter podido aceder à sua sugestão... O link está correcto?
De Acúçar C. a 14 de Novembro de 2010
Ainda... mas a música é outra ;-)
De perseu a 13 de Novembro de 2010
Um tezto de memória de um tempo,próximo passado,vivido e bem presente.

.A descrição é, com efeito, digna do autor da Morgadinha dos Canaviais.
De Maria Brojo a 14 de Novembro de 2010
Perseu - de novo, gentil. Obrigada.
De António a 13 de Novembro de 2010
autobiografia- depois de um enquadramento de infância primeira em matriz de terras e águas e cheiros, descortinam-se uns catorze quase quinze onde havia espaço a todas as descobertas e à polinização de saberes e fazeres já em confronto com ritmos outros, de recato urbano e ocupações mais apapeladas, livralhada a tiracolo em horários convencionais que nunca apagaram nem apagarão o apelo ao apego aos ciclos e temos naturais!

o consumismo do tempo e o tempo do consumismo - aos poucos, instalam-se os frangos de supermercado que fazem revirar os olhos e pensar na vida quando em contraponto se ensopa a broa no caldo verdadeiro de galinhas criadas ao ar e correria, alimentadas a verdes e milhos e restos vários; de repente, é tudo um desperdício, perdido o cuidado de conservar em troca da ânsia de trocar, tudo se substitui num ápice, nada se poupa e o défice um dia será contado por quem cozia meia, cerzia camisa, remendava sapato, descia bainha, passava roupa e calçado de irmão em irmão, tudo estimado, cadernos a lápis incluídos no rol e os livros servindo a várias gerações, quando não se comprava logo outro por não se encontrar o primeiro ao primeiro instante e uma mobília era coisa de família, isto é, não se estragava nunca e muito menos se trocava de dois em dois ou de três em três anos, como tudo o mais, carros, telemóveis, computadores, cônjuges, filmes preferidos, nicks e até empregos, se os há!!

um pedaço de terra - sem bancos, de há anos para cá se vislumbra e agora crescentemente reconhece a acupação e aproveitamento de taludes de estrada e auto-estrada e não tarda que muita rotunda volva e revolva ao canto das alfaces, à pianha da couve portuguesa ou ao monumento do limoeiro - e que dizer das romãnzeiras ali no separador central da Av. dos Combatentes direito à Praça de Espanha onde muito condutor na pressa da manhã e da tarde, ainda que parado no trânsito, nunca se deu conta por entre telemóveis e rímeis e os sísifo-maratonistas dos jornais gratuitos ou da benemérita Cais; depois houve os novos povoadores, de balanço por fazer se não era mesmo só fogacho - e aí, sim, coisa mais para licenciados e outros iludidos; agora alguns municípios querem dar uso aos baldios e aos abandonadios, oxalá por bem e em boa hora aproveitados por quem sabe e não esquece a arte de amanhar a terra, cuidar do canteiro, os nomes das ervas e o para que elas servem, pessoal das indústrias deslocalizadas e mal pagas em que o País caiu sob as poderosas leis da gravidade salarial, inda (aviso: esta não é gralha propositada para entreter prontuários, é mesmo uma idiossincrasia homenageadora do falar das dignas gentes de quem se fala, ó com licença, e mais ao prodigioso MEC recém-descobridor de pêras parvas e outras frutas pardas - a propósito, neste aspecto, faz um bocadinho lembrar o pessoal e transmissível EPC) ontem se gladiavam (bem, aqui já dou de barato que se enredem a buscar minudências) patrões da têxtil e correspectivos (idem) sindicatos sobre a falta de mão-de-obra coexistente com 10%, para mais e não para menos, de desempregados e as diferenças de expectativas salariais e do direito laboral na origem do paradoxo, que porémente (iac ;)) justificam bem a perspectiva dos autarcas transmontanos repovoadores de caçadores recolectores e prováveis agricultores ao menos em segunda profissão!!!

;_)))





De Acúçar C. a 14 de Novembro de 2010
Quem sabe, sabe ;-)

inda
adv.
Ainda.

Antes do supermercado, os frangos foram de aviário e de minimercado. E tiveram o seu tempo de glória transitória. Hoje são de má memória (como a galinha?).

Pu dera... nesse tempo... telemóveis, computadores, nicks, 'não me niques!' ;-))

Esta das couves saíu para entreter prontuários involuntários?

peanha
(latim pedanea, feminino de pedaneus, -a, -um, que tem comprimento de um pé)
s. f.
1. Base ou pedestal em que está colocada alguma estátua ou figura.
2. Tarima que está na frente do altar e arrimada a ele.
3. Banco para descansar os pés. = escabelo, supedâneo
4. Pedal do tear.
5. Chaga no casco das bestas causada pela lama.

Seria antes um alfobre?

http://www.youtube.com/watch?v=6N3OkBvwl2I
De António a 14 de Novembro de 2010
sim, canteiro serve perfeito, bem acima (não nas alturas, entenda-se...) da recorrente palmeira!

mas era mais um meio caminho assim provocafórico - já fui:Cerca de 0 resultados (0,22 segundos); obrigado - para arrear (n)a bela da estátua ou instalação improdutiva que pulula em rotundas mil, ora bem, antes a escultural portuguesa mais desejada pelo Natal ;_)))

mile grazia


De Acúçar C. a 14 de Novembro de 2010
Never on a Sunday ;-)

"Grazie mille di cuore".

It's like "thank you so much from the bottom of my heart".
__________________
"Physics is like sex: sure it can give some pratical result, but that's not why we do it." - Richard P. Feynman

Ta pedia tou Pirea
http://www.youtube.com/watch?v=7rXgFAobKOk
De Acúçar C. a 14 de Novembro de 2010
Com paremos:

1-Cerca de 4.770 resultados (0,18 segundos)

2-Cerca de 7.830 resultados (0,10 segundos)

O meu busca mais ;-))
De Maria Brojo a 14 de Novembro de 2010
António - estava numa de escrever mais abaixo; porém, segue já: _ fosse a Teresa C. capaz de pensar e escrever assim. Domingo cheio também por si.
De -pirata-vermelho- a 13 de Novembro de 2010
Já não há
e
se houvesse não quereria.

O quê?

Gente que goste da terra ou que a trabalhe, apesar do esforço enorme.

Já nem as couves do caldo produzimos, ma chèrie.
Venderam-nos tudo...
De Maria Brojo a 14 de Novembro de 2010
Pirata-Vermelho - olha p'ra ele! «Inda» me verá de ancinho na mão à cata de ervas daminhas.

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