Colecção "Outono nos Parques de Lisboa - 2010"
Desço e vejo-te. Fazes negaças com graça - sabes bem como rir me é precioso desde o acordar ao dormir. E consegues até pelo silêncio no longe, pelo marulhar quando perto. Livre sempre, ainda que espartilhos existam e julguem condicionar-te o fluir. Não os temes, pois do contornar ladino, do ir e vir e desaguar tens sabedoria. Na calçada suavemente inclinada, acompanhas-me os passos. Lado a lado. E deslizam as faias connosco, as oliveiras anãs no outro lado. Do nosso enamoramento, sabemos. Descaradamente, trocamos olhares: tu em líquido, eu vertendo paixão por quem és.
Enfeitas-te só para mim, fantasio, em rubros e amarelos esmaecidos, em cachos que nem sei se frutos ou flores. Mas recebo-te os carinhos com o desejo de sempre. Quero ver na terra o teu espelho vegetal a crescer, o respeito pelos ciclos da vida que coadjuvas, as bocas fundas bebendo o teu sémen. Dele fazem alimento, e, por ele, sorriem em cor na alegria robusta.
Sigo-te. Desemboco contigo nas portas abertas por onde desces em cascata. Alagas pedras, seixos, cascalho grosso. Antes brancas; depois de ti, douradas. Nelas desenhas riscos de luz, trémulos, ou não fosses imparável no mover que obstáculos e os ventos e a vontade tua determinam. Colaram-te relva em tapetes para que enamorados pudessem deitar-se ao sol, rente ao teu passar. Ouvir-te de perto os sussurros que contam segredos do lugar onde roçagas para o abandonares sem volta possível. Também pela tua condição esquiva, o meu amor.
Nos pulos de lajedo em lajedo, olho o brilho e o teu profundo sem o conseguir penetrar. Não deixas, sei: _ preferes reservar a intimidade do âmago que te pertence, onde acumulas limos, onde embaraças quem nele se aventurar. Mas és água e amo-te. Ou te sei perto, ou estiolo. À parte amores por humanos cuja presença é seiva do meu viver, sem ti não seria igual. E após cada descida onde te encontro próxima, ao subir olho a escultura do Botero, pai com filha ao colo. Também eu estive, de novo, no teu regaço. Senti o afago, não volátil como é suposição.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros