Iniciativa da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. Patrocínio da Presidência da República. Campanha lançada ontem no Casino Estoril. Presença destacada: Cavaco e Silva. Declarou-se envergonhado pela fome que grassa país fora, nos meios urbanos em particular. Objectivo da campanha: entregar sobras dos restaurantes aos mais carenciados. Alimentos convenientemente embalados em caixas térmicas sob a supervisão da ASAE. Posteriormente entregues a instituições de acolhimento a carenciados, cada dia mais, cada dia mais envergonhados. Já tiveram quotidiano estável, mas o desemprego, o sobreendividamento ditaram (des)arrumo das vidas. Algumas paróquias, desde há meses, organizam lanches-ajantarados, ditos convívios, não se amesquinhe e fique ausente este novo grupo de pobres.
Vozes sindicais denunciaram o ‘inglês ver’ do anunciado ontem: _ empresa multinacional aderente à iniciativa, pune severamente funcionária de uma cantina por levar restos para casa onde quatro filhos a esperam. Sendo os contratos precários, despedimento à espreita, mínimo o salário ou pouco além disso, a incoerência evidencia-se.
Porque todas as ajudas são bem-vindas quando a fome prolifera como vírus andarilho contaminando famílias, porque as crianças são elo frágil nesta cadeia doentia sem vacina no horizonte, aplaudo, cautelosamente é certo: _ a corrupção existe e a ingenuidade social adquire contornos de crime/pecado contra a humanidade. E se a ASAE, vez primeira, zela a qualidade dos alimentos depois entregues, inspira simpatia o alargar das competências definidas. Vigilância e multas e são necessárias estando em risco a saúde pública; todavia, não impedem o roncar dos estômagos vazios.
Não consigo adaptar a ideia do vírus (nem malvado, nem andarilho) ao crescimento das famílias (pessoas?) com carência de recursos.
Lembram-se do H1N1? Houve desperdícios? Foram todos (a correr) apanhar a vacina? Quanto (nos) custou a operação?
Querem tratar a fome? Existe o RSI?
«O Rendimento Social de Inserção foi atribuído, desde o início do ano, a mais oito mil pessoas, um número que se traduz em cerca de três mil agregados familiares. Os últimos dados do subsídio, avançados à agência Lusa pelo presidente do Instituto de Segurança Social, referem um total de 350.575 beneficiários.»
Estamos no fim do ano que foi o Europeu contra a Pobreza. Quantos milhões foram disponibilizados? Como foram gastos? Que contributo chegou a quem mais precisa?
«O Ano Europeu Contra a Pobreza e a Exclusão Social chega esta noite em festa a Portugal. A actriz Sandra Barata Belo e o actor Ricardo Pereira conduzem, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a cerimónia que marca o início da campanha impulsionada pela Comissão Europeia.»
«O Prémio Direitos Humanos entregue anualmente pela Assembleia da República é este ano entregue à Rede Europeia Anti-Pobreza - Portugal, dirigida pelo Padre Jardim Moreira»
Se as medidas estruturadas a nível europeu não têm efeitos a nível da população, não entendo como também um PR não tem vergonha de ignorar a dimensão do problema :-(
(se o mal é grande... qual é o tamanho do remédio?)
caro Veneno, o vírus ataca de tal modo que afecta de fome 930 milhões de pessoas no mundo, segundo se leu há dias
as festas, os prémios e a caridade, tudo bem apontado acima, deixam um estranho e amargo sabor a sucedâneo, senão mesmo a um lavar de consciências
é certo que algo há a fazer, e é muito, mas parece decisivo que não se perca de vista o essencial: a criação de riqueza, a sua justa repartição para diminuição das desigualdades e sistemas de intervenção ante situações críticas - se não houver riqueza ou se aumentar a má distribuição, é bom de ver que não há caridade ou rendimento de inserção capaz de acorrer à epidemia da pobreza ou da fome
o Brasil acabou de dar o exemplo, com o Programa Fome Zero: é possível combater o fenómeno de alastramento da pobreza
em África, houve um retrocesso, a situação é ainda pior que no tempo do Live Aid - e, por muito que custe dizê-lo, pior que no tempo colonial
por cá multiplicam-se mediaticamente os alertas e as iniciativas, com uma particular e insidiosa insistência na fome ou pobreza "envergonhada", que parece vender mais audiência que a miséria bruta
mas como diziam os antigos (muito habituados a lidar com o problema da fome, da pobreza e da miséria proveniente das guerras, do isolamento e do subdesenvolvimento) para grandes males, grandes remédios: há que cerrar fileiras, consumir com ponderação, importar com moderação e ajudar quem precisa, mas sobretudo inovar, inovar, inovar
há que correr alguns riscos (empresariais! a começar por um salário mínimo digno) e trabalhar com afinco, em vez de ficar à espera das medidas nacionais ou europeias com que os políticos caçam votos, com inusitado oportunismo em época eleitoral - como a crónica em apreço bem denuncia no caso da chico-esperteza do Cavaco da Silva
O vírus não se vê. Não se sabe como aparece. A epidemia tem que ser atacada a todo o custo, porque contagiosa e altamente perigosa.
A fome vem da pobreza. A pobreza vem duma sociedade com que convivemos perfeitamente há muito tempo. E vemos todos os dias, a cada momento, o que provoca esta doença social. Tem rosto, tem nome, tem direitos adquiridos, tem lugar reservado no espectáculo permanente do 'venha a nós'.
Foi o dia da corrupção? Mas são todos os dias! E o dia da hipocrisia? Não é celebrado? Já nem vale a pena... Sei que não cai bem: parece 'folclore' :-( (não a fome, nem a pobreza, antes os modos como as destratam) PS- Já quase nem me lembrava... daquele 'aviso à navegação' sobre o Estatuto dos Açores
a questão é que efectivamente o vírus não se vê... a olhos nus, mas há meios e maneiras de o encontrar, ver e, labor(ator)iosamente o combater, incluindo modo de obter o "track record" até à sua ancestralidade, senão origem, embora tudo isso possa custar décadas e milhões de investigação
mas de facto, como pressupõe, estão há muito à nossa vista, identificadas, muitas das causas da calamidade ou da sua slippery sloap porventura imparável - às só vezes só por via revolucionária e a história é repleta de exemplos: a fome encarrega-se de espoletar a revolução
antes disso, porém, a lucidez da análise e da denúncia sensibilizadora, mais os meios de que a democracia dispõe, por via eleitoral passiva e activa a que acresce o papel dos media e do que lhes devemos exigir, em alternativa a páginas ocas e programas sensacionalistas que nos pretendem impingir para perpetuar o atraso (mental, era o que deveria dizer...) civilizacional com que a persistente iliteracia se submete à exploração, à lavagem cerebral e ao consumismo acrítico
é que a responsabilidade maior será dos políticos mas também nos cabe em parte a todos, nos gestos e escolhas de cada dia
razão maior para não cedermos o passo a conversas balofas e a focar, inteiramente em tudo o que fazemos como dizia o Poeta, naquilo em que podemos oferecer de construtivo, de realizador de sonhos e de animador de uma partilha valiosa para todos
Ana: eu é que agradeço, mesmo que seja o caso de estar a fazer troça de um plebeu... do excesso de palavras desculpo-me como Eça - não tive tempo de a fazer mais curta! mas reconheço que neste caso o que me falta mesmo é o talento; resta-me aprender, e por isso aqui dedico algum tempo ;_)))
Sem divagações, é do olho (e do rei) nu que eu falo.
A do laboratório e do track record e seus milhões é outra guerra e não deveria ser aqui chamada, como se pedindo alhos lhe trazem bogalhos.
Mais do que pressupor, julgo ter certezas, não havendo slippery slope que possa ocultar o que está à vista de todos.
Não sei se terá concluído a proposta iniciada por «antes disso, porém... » mas creio que tudo o que ali acrescentou (e bem) já é uma 'epidemia' instalada que é bem aceite (crónica, benigna) que faz parte do 'politicamente correcto'.
O maior 'empregador' do país dedica-se à solidariedade social. Cada vez há mais pobres (e carenciados) e o problema agudiza-se por haver cada vez menos financiamentos disponíveis para as estruturas envolvidas.
Vai faltando o tempo para dominar a confusão? Ai vai? Aindanãometinhasdito... Então, reduzamos em 10% os horários de 'ocupação' e reduziremos equiparadamente as taxas de 'desocupação' e de taxação (e também, não menos evidente, de tachação).
o que se segue ao "antes porém" é alternativa quer ao degradar da situação (falta de criação de riqueza, má distribuição, etc.) quer à ruptura de consequências imprevisíveis quer à passividade acrítica tantas vezes por inércia e acomodação mas também por ensimesmamento e falta de instrução ou de consciência, senão mesmo pela pior de todas as razões: o medo
daí o apelo à lucidez activa, não complacente nem resumida ao queixume ou à culpa deitada ao abstracto, do Estado, da sociedade, dos políticos, desculpas de mau pagador para quem não assume a parte que lhe cabe na culpa
se todas as ideias são bem vindas a debate, a proposta de redução dos 10% da taxa de ocupação parece interessante, mas como se concretizaria tal? no horário (diário, semanal) laboral? no aumento das férias? na antecipação da reforma?
pode ser de concretização difícil (no que respeita à reforma a questão é mesmo a inversa, com muitos países a estudar a possibilidade da ampliação do ciclo produtivo) mas merece análise aprofundada
e há um campo onde tem certamente pernas para andar: em muitas empresas, é moda o cumprimento de horários bem para além do estabelecido na lei e nos contratos, individuais e colectivos - moderar esse abuso seria já um passo relevante