José Varatojo
É raro o meu choro. Naquele dia, desde o acordar sabia as lágrimas rondando com pés de lã. Há dias em que amo menos os outros e a mim. Mal abre a manhã, identifico sinais do desamor e ensaio avistar as razões. Durante a órbita diurna vou ressuscitando a alegria até pela tarde meada chegar a paz. Escancarada a janela do dia, abri-me ao amor num privado excesso emocional. Logo eu, que o vulgo julga racional convicta... Contrariando a minha dádiva, a noite cresceu mal. Pela urgência de anestesia para a consciência, adormeci num ápice, na esperança de a amordaçar. Mas não. Ao acordar estava inteiro o desgosto. Insidioso. Perverso. Cruel. Como se me tivesse portado mal, muito mal, e os pais, os avós, as tias, os bisavós todos reunidos em concílio na sala vetusta que conheço bem demais, me olhassem aniquiladores, deixando-me liquefeita, engolida pelas juntas das traves de madeira do chão.
A umbigos defuntos desfiz projetos de continuidade do “bem ser e parecer” perante a miúda sociedade local. Como era uso do clã. Como me estava destinado. À parte modesto desvio, tenho-me ajeitado menos mal à herança. Só que eles - os jesuítas, cónegos, freiras, doutores e proprietários - canibalizaram descendentes ou laterais insubmissos, sei-o de fonte limpa!, até por via da dureza do torno os encaixarem no molde de aço e lacrarem como garante da pertença ao clã familiar. Rejeitando ser tira de damasco bolorento do forro das paredes do salão, depois caído num canto do soalho onde só as teias crescem no tempo fechado, insisto na liberdade. Na lucidez grata aos que me antecederam. No amor aos que resistem de cujos beijos e abraços preciso, sem abdicar de quem sou.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros