Sábado, 26 de Julho de 2014

NA AORTA DA CIDADE

Max Zorn

 

O metro engoliu-a. Após noite mal dormida, dera pela falta do café. Compensou a omissa fonte de energia matinal com saltos que dessem ao corpo que fazer. A miudeza da chuva era verniz fino nas escadas e plataforma, desencontrando a gravidade dos saltos. _ Parva! Num dia assim lembrei-me deles!

 

Na aorta da cidade, os morcegos do costume. No comboio sentou o rabo estafado. Abriu a mala, caçou lápis e sudoku, entretém como borracha da cigana desdentada, da mulher das mamas enrugadas, dos leitões de fato e gravata. Mortos-vivos, todos. Os números são uma «gaita»! Empancam, mas até Arroios caço alguns. Esbarrou no dois. Olhou a janela. O vidro refletia rabo incomum, redondo, alto. Atentou - por detrás, nada mal, pela frente seria morcego como os demais? Imóvel o «nadegueiro», voltou ao dois. Ouviu: _ “No canto esquerdo”. Levantou os olhos, certa de vir do «nadegueiro» o conselho. Aliviou o rosto, endireitou pernas e saltos: _ Não pense ele que só sirvo para sudokus! Nova dica, o homem de sudoku percebia, e saíram na paragem dela. Dele também? Jurava o não e honrou o par de nádegas cuja frente condizia.

 

Cafés, dois almoços e um jantar depois, mais havia a uni-los. Além da conversa boa, houvera toques casuais de polimento e carinho. Mais nada. Por esse tempo, perguntava se o «nadegueiro» preferiria os pares às acolhedoras ancas de uma mulher. _ Que se «lixe»! Exijo provas. Era sábado e veria. Escondeu pilhas de roupa, aspirou, esfregou. A casa num primor e ela esbodegada - visita de «nadegueiro» é pior que de mãe! Marinou no banho, afagou com creme a pele. Ao espelho premiu as molezas – “de pudim, ora «bolas»!” Se encolho a barriga, o rabo é memória. E as mamas? Empino? _ «Nope»!, volta a barriga. OK, sutiã almofadado, em vez das meias collants que sobem o rabo e apagam barriga. _ Raios! E se me despe em pé? Cai tudo: roupa, mamas e rabo. Ora, apago luzes... Velas, é isso! Ah, e prendo com fita-cola os interruptores.

 

Fosse a química dos corpos ou dos copos, enrolaram-se. Lábios sedentos, dedos mapeando ocultos apetecidos. O «nadegueiro», até à cama, eliminou o supérfluo. Suspiros, gemidos e urros passados, a vigília derrotou o sono. As velas ele pensou-as românticas, a fita-cola não deu por ela, nem do que com a nudez caíra. Sussurraram tolices. Ele não saiu, ela desejou-o ali. Ainda riam ia alta a madrugada e as peles coladas. Desafiaram-se. Acabaram como começaram: num jogo de sudoku onde fugia o dois.

 

Nota - Nos tempos áureos da «blogmania», respondi com este texto a um desafio da querida amiga Rita Barata Sílvério, autora do excelente blog "Rititi", que veio a impor-se como escritora e livros editados. Carateriza a Rita como escritora e mulher, assertividade, graça e ironia. O último livro, "Manual de Instruções para Sobreviver aos Quarenta e Continuar Sexy, com Alguma Vida Sexual e Não Parecer uma Lontra" é delícia que apenas lamento ser curta. O lançamento, em Julho de 2013, decorreu na "Pensão Amor". Teve a presença de Fernando Alvim, além da multidão possível no lugar. O livro pertence à coleção "Manual de Instruções".

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

O pintor Max Zorn é artista plástico holandês. Realiza as suas obras em base de vidro acrílico onde sobrepõe várias camadas de fita-cola consoante as manchas de luz e sombra pretendidas. Igualmente curioso é os trabalhos obrigarem a iluminação por detrás para serem vistos. No primeiro vídeo, slideshow das obras. No segundo, a respetiva feitura.  

 

publicado por Maria Brojo às 08:53
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4 comentários:
De a.reis a 26 de Julho de 2014
O texto, ainda que mais rico, faz-me lembrar os conteúdos de uns livrinhos de literatura erótica que surgiram em Portugal, logo após o 25 de Abril. Algumas histórias eram até traduzidas de línguas estrangeiras. Os editores devem ter ganho bom dinheiro, pois a novidade, á época, vendia-se como tremoços nos quiosques.
Surgiu-me agora a lembrança os meus tempos idos do liceu, onde, a par dos livros de banda desenhada de aventuras do Tim Tim, em francês de leitura obrigatória, circulava de mão-em-mão e nos recônditos das malas dos teenagers, histórias copiadas á máquina que nos iniciavam no mundo dos contos cómico-porno-eróticos. A sua origem, nunca consegui averiguar, pois nesse tempo as nossas preocupações não iam tão longe. Um dos textos a que tive acesso, penso que se chamava ”Aventuras de Bernardo Lula”. A história decorria em praia próxima, á época muito frequentada por espanhóis, onde Bernardo Lula, banheiro de profissão, ministrava lições de natação a senhoras e meninas misturadas com ”malandrices” e aventuras subsequentes. Era uma antecipação das façanhas de um personagem algarvio que costuma ser nos dias de hoje solicitado pela tv.
De Maria Brojo a 28 de Julho de 2014
A.Reis - a sua preciosa evocação lembrou-me uma pessoal: as publicações do Vilhena que passou boa parte da vida a entrar e a sair da prisão. Descobri-o somente após o 25 de abril. Num livro fabuloso, um de muitos que foram editados, interpreta a Bíblia de modo hilariante como, de resto, era caraterística do Vilhena.
De a.reis a 26 de Julho de 2014
Max Zorn

É um trabalho interessante e, demonstra uma grande perspicácia do autor, na escolha das zonas a revestir com a “tape”, para criar os vários cambiantes de sépia que dão vida ás imagens.
Terá um senão, dado os materiais empregues teram uma duração muito efémera. Talvez seja um testemunho dos tempos, em que tudo é mais efémero e descartável.
De Maria Brojo a 28 de Julho de 2014
A.Reis - fruto do tempo a obra de Max Zorna, sim. Porém, muitos artistas plásticos inventaram técnicas que, após rejeição inicial, fazem parte da história da pintura.

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