“Boat by a Lighthouse a Squall Going Of” também conhecida como “Shipwreck” -
James Francis Dandy (1793 – 1861)
Faróis. Remetem o imaginário para idos de tempo colorido por via duma paleta elementar. Quase ingénua. Nunca a terão possuído pela constância da essência do ser humano extremado na dignidade ou na malícia. Mas é a rudeza de vidas que os faróis me evocam: árdua, madrasta, a fazer da sobrevivência aventura quotidiana.
Assumindo gosto por destinos marginais aos produtos turísticos costumados, um houve que me cativou de modo indelével pela excelência do todo precisado em viagem que faça –novidade, mala semivazia, partilha íntima. Na Holanda, encontrei refúgio para encontro com um tempo perdido. Isolado, ma non troppo. Propício à fusão de dois «eus» que, pela força do afeto, fantasiam unidade. Inatingível. Desejada.
Abrigou-me, no extremo do porto de Harlingen, o “Farol Branco” cuja construção por volta de 1920 ocupou o lugar de outro demolido em 1872. Remodelado quando finava o século passado, uma escada liga três andares. No primeiro, casa de banho impressiva pela luminosidade. No segundo, quarto de design ultramoderno, centrado no vasto ângulo sobre o oceano e numa cama de casal de dimensões compatíveis com vastas liberdades. Vidros como paredes que de nada privam. Em cada manhã (…)
Se os faróis carrejam, á personagem deste clarão de vida passado num farol, o sofrimento e os dramas provocados nos que tem de sulcar os oceanos, não me parecem verosímil que pudesse ter uma paz interior que permitisse tornar sublime o rendez-vous. Os faróis, vistos por fora, não me trazem nuvens escuras, mas ideia de luz orientadora e oportunidade. Dentro dele, olhando a linha do horizonte, decerto sentiria a ideia de abandono a que a natureza nos atira, sem outro destino a não ser o que nós próprios forjarmos
Parte parte ó pescador Vai á pesca da sardinha Louvado seja o Senhor Que guia a sua barquinha
Pescador olha a sardinha Desse mar, o teu encanto Toda de prata e branquinha E que tu adoras tanto
Olha as ondas que são rendas Olha o barco a navegar Essas sardinhas são prendas Que á terra vens largar
As ondas do mar são brancas No meio são amarelas Coitadinho de quem nasce P’ra morrer debaixo delas
Pescador não tenhas medo Para ti não há mistério Para ti o teu segredo É ter o mar por cemitério
A Santa te acompanha Trazes tu no coração A virgem Nossa Senhora Senhora da Encarnação
Como tema também mete mar e os deus dramas, recordou-me trazer aqui a letra de uma melodia simples, tipo marcha, tocada apenas em três tons. É origem popular e de autor desconhecido, do norte de Portugal, nunca descobri algo que me levasse a ele. Julgo que terá sido escrita no século XIX. Devo acrescentar que o grupo de cantares em que me insiro, tem no seu repertório esta música popular. devo acrescentar que os elementos femininos não gostam de a interpretar, provavelmente por a maioria ter tido parentes directos ligados ao mar.
Quem seja dado a grandes conceitos intelectuais poderá ser levado a crer que se trata de coisa “naif” e pouco dada à reflexão. Não tenho esse conceito da música popular e esta letra tem aqui, muitas coisas ligadas á psicologia e sociologia das gentes do mar, como a religiosidade popular, a sobrevivência, a morte no mar, o destino a que se não fugir e que não vale a pena ter medo.