Cecil Hayter
Conjugium satis est juvenem dominare ferocem - Casarás e amansarás
Outono coincide com o regresso ao lar e o desejo de nele renovar os dias. As obstinadas tentarão banir as resmas de roupa na cadeira do quarto. Eles, ardilosos se o dolce far niente está em causa, num resmoneio alegarão servir a cadeira para o arejamento das calças e casacos e cintos e gravatas aliás, ato higiénico ao evitar a contaminação do roupeiro pelo fato despido e, por isso, conspurcado de bactérias.
Elas ensaiarão levar à prática a antiga frase publicitária da TMN: “...de manhã também é bom...” dispensando o “...a minha mãe gosta de tomar banho primeiro”. Eles, após o ereto acordar mictório, murcharão atributos e energia. _ “Fica para logo, «quiduxa». Agora não há tempo.” E vão ao computador, vêm as primeiras na televisão, fumam um cigarro, depois, disparando para o despacho da saída. Com a pressa nem reparam no gelo do beijo delas.
Na ânsia de mudanças que se vejam, já que das sentidas foi diluída a esperança, elas desfolham catálogos do IKEA, obrigam-nos a entortar o rosto como quem presta atenção mas tem olhos de vidro fixos no ecrã. Eles dão de barato o acordo ao não-visto e somente na tarde de sábado, metaforicamente enfiados «nelas», percebem a ratoeira. Arrastam a infelicidade visível de «homem-vítima-de-maníaca». Uns tristes, uns sem-abrigo da determinação feminina. Confrangem, pobrezitos...
Para doce regresso à conjugalidade outonal, deixo receita de uma amiga: se o parceiro emudeceu, ficou frio, sofre de cegueira seletiva ou embarrigou para cima de uma arroba de quilos, há solução: fazê-lo caminhar cinco quilómetros por dia. Ao fim de duas semanas estará a setenta quilómetros de distância. Nada mau!
CAFÉ DA MANHÃ
Deborah Poynton Kemp
Há ruído na comunicação entre homens e mulheres. Eles acusam-nos de até aos alhos pintarmos mil bugalhos. Dos molhos de pormenores até chegarmos aos factos. Soando o gongo para escutarem uma mulher, ajeitam-se no assento, acendem um cigarro e aguardam os preliminares. Jaz a beata no cinzeiro, engoliram o café e ainda descrevemos a moldura da substância. Trocam a perna traçada e, com vaga esperança de sucesso, interrompem para dizer:
_ Dizias que foste assaltada. Quando foi isso?
E nós abespinhadas:
– Não ouviste o que contei? Pois se acabava de sair do cabeleireiro, só pode ter sido às duas da tarde, ou esqueces que meia hora depois já estou no trabalho? Aliás, a Elisa estava impossível, e do corte de cabelo que pedi, comprimento médio com as pontas que ladeiam o rosto mais compridas, assim como a Victoria Beckham, vês o que me fez? A Talita afirma que fico com ar ladino. Tu que achas?
E eles que sim, que é verdade, que estamos ótimas, mas adiante.
_ Onde foste assaltada?
_ Era o que explicava antes de interromperes. Conheces a charcutaria que fica em frente do BES? Numa corrida entrei para comprar uns mimos mais umas fatias de peru fumado. Ao pagar, o terminal automático não funcionava e eu sem dinheiro. Já eram duas e um quarto, imagina!
Torcem o pulso buscando no relógio razão para o formigueiro nas cruzes. Com voz gelada, arriscam:
_ Levantaste o que precisavas no ATM e fanaram-to depois?
_ Não me deixas falar! Antes tivesse sido... Mas não. Pior, muito pior... Na conta, nem um cêntimo restava.
Aliviando a impaciência, rematam:
_ Ah, não foste assaltada.
A injuriada levanta-se. Vira costas com fúria tão alta como a bainha da saia:
_ És insuportável! Nem digo o resto. Fica bem.
Até ao carro, vocifera:
_ Todos iguais estes estupores; cretinos, egoístas, incapazes de ouvirem uma mulher.
CAFÉ DA MANHÃ
Gil Bruvel
Enfadam-me campanhas eleitorais. Candidatos ao poder afirmam-se os melhores, lustram galões puídos, brandem espada de antes do bronze, o mesmo é dizer de ferro carcomido pelo óxido de ferro III, a ferrugem comum, que a humidade desfigura. Por tal, quebradiça, incapaz de angariar votantes. Alguns acabam por atender o respectivo suserano, mais por reza/vício do que por fé. Os não crentes em senhores da terra que a receberam em mandato e tomam por bem oportuno consideram-nos figurantes circenses. Nem de protagonistas merecem o nome por ensaiarem papel destacado e nele representarem figuras tristes.
A democracia é tesouro. Quem dela usufrui benesses é sensato preservá-las. Mas que as instituições e instituídos reguladores mereçam respeito – não apaguem inépcias anteriores e actuais, não caiam no logro de reclamarem respeitabilidade imaculada pelos putativos bons serviços em favor do povo português. A história da galinha, o passado lutador, a competência económica no período do betão, a experiência nos corredores poderosos são paupérrimos argumentos que somente embaciam a confiança popular.
É necessário resistir aos insultos à inteligência individual, à fadista “Guerra das Rosas” para conservar a credibilidade democrática, para não ajoelhar perante o fácil ‘bota-abaixo’ de que o parágrafo primo faz prova. Agressões sistemáticas por quem pretende reunir condições de liderança têm efeito de salitre que até protectoras madeiras de castanho velho e chapas duras corroem.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros