Jan Bollaert
Também o que deu nome à trilogia da Agustina Bessa-Luís. Princípio da Incerteza – não é possível prever com rigor o comportamento de uma micropartícula. Lembro as teorias da Relatividade - energia e massa como semelhantes na essência, espaço e tempo interligados. Apelo à Mecânica Quântica – a matéria é em simultâneo onda e partícula. Os eletrões e outras partículas subatómicas dançando em harmonia com os átomos, estes com os ajuntamentos que constroem (as moléculas) e com os planetas que pulsam ao ritmo do sol e, com ele, do cosmos.
A biologia prova a coreografia perfeita do universo – o sémen que ascende ao óvulo, a circulação sanguínea, os ciclos menstruais harmonizados entre mulheres que durante algum tempo permanecem juntas, a sincronia do coração e do respirar. Até os relógios de Huygens acabaram por oscilar em simultâneo e ignorarem o descarto inicial. Os saltos precisos do átomo de césio de um nível energético para outro definem, nos relógios atómicos, a unidade de tempo (SI – Sistema Internacional de Unidades). Erro de compasso inferior a um segundo em vinte milhões de anos. A matéria – viva ou não – bailando ao mesmo ritmo. Caos síncrono, irrepetível, organizado por formulação matemática. Determinista. Passado, presente e futuro como resultado da imparável e sussurrada comunicação matemática e física e química entre partículas.
Jan Bollaert
Einstein e as pontas da teoria unificadora dos campos – zonas do espaço onde forças gravíticas, elétricas ou magnéticas confluem. Visionário, louco, excêntrico segundo contemporâneos. Genial pela intuição lógica e suporte científico. As vidas encaradas como perspetivas individuais duma realidade única. Julgadas distintas pelos humanos não o sendo enquanto são. Espectadores de um palco que pensam cheio e onde impera o vazio.
Poema budista completa:
“Vazia e calma e livre de si
É a natureza das coisas.
Nenhum ser individual
Na realidade existe.
Não há fim nem princípio,
Nem meio.
Tudo é ilusão,
Como numa visão ou num sonho.”
CAFÉ DA MANHÃ
Júlio Resende
Homenagear o pinto Júlio Resende anteontem falecido e, em simultâneo, Eugénio de Andrade é o meio escolhido para hoje celebrar oito anos de SPNI. Desde o início, duas vertentes caracterizam este espaço: escrita e pintura. Não planeando torcer o caminho, agradeço a todos os leitores e comentadores o favor de passarem por aqui e dalguns haver registos.
A propósito do mural cerâmico Ribeira Negra de Júlio Resende escreveu Eugénio de Andrade:
_ “Agora vinde cá, que vos quero dizer uma coisa. Como sabem, o grande cronista desta terra foi Camilo Castelo Branco, esse diabo, que não é tão feio como o pintam. Mas depois de Camilo vieram outros: o Ramalho, que era um homem de respeito, o Raul Brandão, que tinha um olho muito fino para os pescadores da Foz e para aquele mar, e já nos nossos dias, a Agustina, que fala do Porto ora com azeda melancolia ora com incomparável sedução. Mas a cidade tem outro cronista admirável, em que se não repara tanto por não se servir de palavras. É de Júlio Resende que estamos a falar. Agustina e Resende são em rigor contemporâneos, mas o olhar inquisitoriamente poético de ambos contempla realidades muito diferentes. O mundo que despertou o interesse da romancista é o da burguesia decadente, o da aristocracia rural, com algumas incursões às esferas da finança e da política; ou seja, um mundo pelo qual a pintura de Resende tem um soberano desprezo.
A gente a que o pintor sempre procurou dar corpo e alma, e que lhe sai ao caminho mal pega no lápis e no pincel, é aquela a que Fernão Lopes chamou arraia-miúda. Isto, que nunca passou despercebido àqueles que seguiram empenhados a sua obra, tornou-se pura evidência a todos quantos tinham olhos na cara a partir de Ribeira Negra, o magnificente historial da miséria e da grandeza da população ribeirinha do Porto, exposto pela primeira vez em 1984, no Mercado Ferreira Borges.
Há uma brutalidade nesta pintura, digamo-lo sem qualquer hesitação; brutalidade que consiste em obrigar-nos sem trégua a pensar que o homem é o mais mortal dos animais, que o seu corpo não cessa de ser corroído pela lepra do tempo, que o esplendor da sua juventude se converte com facilidade na mais grotesca paródia de si próprio, que tudo nele está inexoravelmente votado à morte. É uma crueldade, é certo, mas a compensá-la há também em Resende uma infinita piedade por estas criaturas cobertas de farrapos, quase sempre mulheres envelhecidas muito antes de serem velhas, porque tudo lhes faltou excepto o mais amargo da vida, e a quem também coube em sorte, apesar de tudo, semear a terra da alegria.”
Em A Cidade de Garrett, Fundação Eugénio de Andrade, 1993
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros