Segunda-feira, 12 de Agosto de 2013

CANTARES NA ‘MINHA’ ALDEIA

 

Detalhe duma experiência minha a óleo em honra do avô Artur Brojo e duma das casas da família, a "Casa do Prado", sita em S. Cosmado, Aldeias

 

Do espólio familiar e de S. Cosmado-Aldeias (autor das letras e da música Artur Brojo).

 

“Do alto da serra,

Olhei pra baixo e vi

A igreja da minha terra

A casinha onde nasci

 

Vejo além ao longe

Um regato e uma fonte

E uma linda capelinha

Tão branquinha lá no monte

 

Vejo da minha janela

Toda a casinha singela

Nesta aldeia de encantar

Vejo lindo panorama

Que logo a atenção me chama

Para depressa adorar

 

Vejo as ovelhas no monte

Correr a água da fonte

Por enormes ribanceiras

As moças ao regressar

Depois do trabalho acabar

Cantam lindas ramaldeiras.”

 

Enquanto na “Sociedade Industrial” – Amarantes, as lançadeiras iam e vinham, obedeceu ao ritmo e compôs a música do “O meu Amor é Pastor” (poema escrito ao serão do mesmo dia). É considerado património do folclore do Concelho de Gouveia.

 

“O meu amor é pastor

Já anda a aprender a ler

Já comprou uma cartinha

Para depois m’escrever

 

Rapazes e raparigas

Cantai cantigas

Batendo o pé

Também canta o meu amor

Que ele é pastor

Ai lariló-lé.”

 

Artur Brojo tinha profunda consciência da opressão dos trabalhadores pelos donos da terra coadjuvada pela sua experiência fabril (referido em “Maria e Sario”). Embora desse trabalho a quem precisava, jamais explorou o suor alheio. Exemplo duma quadra musicada que, segundo os recontos, criou e o povo a que tinha orgulho de pertencer cantava sob o peso da enxada.

 

“Ao malhar da borda

Vinho à malha

Se o patrão não paga

Fica o pão na palha.”

 

Com o primo António Pinho Brojo e o amigo deste, André, nas férias em S. Cosmado, ambos exímios tocadores de viola e futuros catedráticos de Farmácia na Universidade de Coimbra, nos serões da família e por onde calhava, tocavam até de madrugada.

 

O António, o André mais o Zé Roque faziam serenatas de encantar. O poema seguinte fez parte duma em favor da, ao tempo muito jovem, tia Maria do Céu, vinda ela de férias do Colégio do Sagrado Coração de Maria, na Guarda, onde prosseguia estudos.

 

“Ao longe

Ao cair da tarde

Quando no mar

O sol lentamente

Se vai apagar

É que eu penso

No teu olhar

Tão meigo e profundo

Que me deixa a sonhar.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

O par de sequências musicais do avô Artur Brojo abaixo interpretadas pelo Rancho Folclórico de Gouveia, possuem o encanto raro da genuinidade que letras e pautas contêm. Poemas belos que o povo mais idoso das Aldeias ainda trauteia. Giacometti, amigo do avô, garantia a ancestralidade dos temas e ficou pasmo quando numa das visitas teve nas mãos os originais em papel datados e assinados. Aconselharia, a bem do património musical português, deixar cair no esquecimento o autor. Pelo amor aos Hermínios, suas gentes e tradições, o avô concordou e assim aconteceu.

 

publicado por Maria Brojo às 11:42
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Domingo, 2 de Outubro de 2011

A CASA DOS AFECTOS

 

 

A chair is still a chair
Even when there's no one sittin' there
But a chair is not a house
And a house is not a home
When there's no one there to hold you tight
And no one there you can kiss goodnight
Woah girl”

 

Por muito que seja limpa e reconstituída uma casa não é um lar, como escreveu Luther Vandross, se os afectos não a habitarem. Mas esta foi e é lugar de almas que ama(ra)m, por isso lar. As paredes vetustas rogam pintura dentro e fora que honrem amados feitos pó na terra e que também fizeram da menina descendente única em três gerações a mulher escriba menor. Não recusa o desafio - vai adiante e tenta reconstituir com pertences esquecidos e sobras do esplendor de outrora sítio que a acolha e às novas gerações. Durante as sucessivas barrelas, a cada objecto seu mimo pelas memórias/doçuras que, sendo impressivas, o tempo não apaga.

 

 

Na saleta, há trinta anos 'jardim de Inverno', desapareceram avencas, espargos, todos com folhagem rendilhada, cadeirões almofadados onde eram fruídas partes de manhãs desde o pequeno-almoço até à leitura dos diários entregues pelo carteiro. Luz a rodos mesmo se a chuva ou a neve ocultavam o Sol. Hoje, sobre a mesa, lenço com o qual me enfeitava nas brincadeiras de criança só. No lado oposto, escritório e quarto abrem portadas à montanha e à aldeia incrustada no vale estreito. Baú e mala de viagem, testemunham o regresso da ‘América’, por navio, do bisavô materno, bonito, aventureiro, sonhador. Que encheria o «malão» de ferragens douradas, azul como a mala rígida e também semelhante nos latões/fechaduras? _ Presentes para as filhas já adultas e solteiras como restariam até ao final? Mais malas existem conservando como as outras em papel colado o nome do proprietário, camarote e companhia de navegação. Deste bisavô recordo descrições de Nova Iorque onde viveu décadas, da Grande Depressão, do renascer dum país e do seu povo. De parte do mundo com ele.

 

 

Chaves tantas! Após tentativas várias, foi impossível reconhecer qual pertence a que porta. Ao monte, esperam serem devolvidas à dona. Curioso encontrar dois objectos em cerâmica, iguais, e que comportam quatro velas. Não possuo recordação deles. Símbolos devem ser, mas de quê? Numa parede, tem destaque retrato imperfeito - a desproporção das figuras é notória. Abandonei pruridos artísticos e deixei ficar a tela, prova de amor aos retratados. Pintada quando iniciei os óleos e do «lambidinho» não passava. Se retratos a carvão me ocuparam idos da adolescência e juventude com relativo êxito perante olhares queridos, neste falhei, conquanto espíritos benevolentes afirmem os rostos tal qual. Não aprovo. Para melhor e em muito diferentes.

 

 

Casa de afectos, de rendas e bordados até na despensa. Das arcas, ou não contabilizasse oito no total, a maioria aguarda carícias da cera. Semana e meia revelou-se curto intervalo para do almejado cuidar. À cozinha, após limpeza, foi dado jeito respeitoso, todavia simples. Mais há a fazer em honra das preciosidades gastronómicas ali cozinhadas e merecedoras dos aplausos da família e dos bispos e dos párocos convidados para as cerimónias religiosas nas festas anuais do São Cosme e de São Damião. A romaria era linda de ver - misturava sagrado e profano em amável coabitação, trazia gentes de fora e os mordomos sempre respeitaram as tradições de Aldeias. Para dela obter ainda melhor panorama é preciso subir até ao segundo andar.  

 

 

Das cinco divisões cimeiras, somente duas, a Este, permitem aceder a imagem que a retina não perdoa. Parte da casa que mais foi esventrada de bens para moradia com cinquenta anos a mil e poucos metros de afastamento. Dos armários biblioteca, antigamente no escritório, resta um. Na saleta de costura, revistas de croché, de ponto de cruz, de figurinos impressos que remontam a meados do dezanove, máquina que oleei e ficou pronta a uso. Num dos quartos, a simplicidade esconsa, o móvel em cujas gavetas pontificavam ‘santinhos’, imagens pias, rosários. Nos gavetões, vestidos e combinações de seda, peles e veludos. Todos enviados para a lavandaria, muito recomendados ou não sejam devolvidos como farrapos sem préstimo. Perfumes e retratos e bijutaria em taças retirados ou para o lixo, os primeiros, para restauro, os segundos, para lavar, os enfeites. Duas camas, mesinha de cabeceira, conjunto de porcelana composto de lavatório, balde jarro, recipiente fundo cujo nome ignoro e suporte em ferro preenchem o espaço restante. Contíguo, o quarto do bisavô americano. Mais à frente, dois esconsos – rouparia e arrumo destinado a compotas, fruta, e outros bens preciosos da terra consumidos durando a época pobre do ano. Ao fundo, a janela por onde me esgueirava e descia pelo telhado para a liberdade do jardim enquanto as tias e o tio padre bisavô cumpriam o ritual da sesta. Quantas telhas partidas na descida e hoje me dariam arranjo para cobrir áreas em que faltam! Assim, restou-me comprar parecidas por daquelas ser difícil obter iguais. Mas não desisto: irei à cata de casas em remodelação que as possuam. Lugarejo que seja, mal dele tenha notícia ou vislumbre, ali me terá mais feliz do que na Avenue Foch ou na George V.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:48
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Sábado, 1 de Outubro de 2011

TRAVESSA DE ARROZ DOCE

Jacek Yerka, Hoyt

 

Saíra do pó em nuvem que o interior do Prado toldava como terra ressequida que enxada lavra. A Sandra, companheira da limpeza, esquecera que o primeiro andar arrecadara mais lixo que o segundo. Eu também. Por isso, sentávamo-nos no balcão de pedra emborcando água em golfadas. O ar serrano, inspirado até às profundas, limpava pulmões mas era impotente perante desmazelo tamanho. Dele m’envergonho e me penitencio. Após a partida das tias-avós, anos e anos, persisti no remanso das doces férias na Estrela, sem atrever a moradia guardiã das férias rurais infantis. P’ra meu opróbrio confesso não ter sido o ultimato da Junta de Freguesia em conluio com a Câmara para todos os proprietários limparem os terrenos e nem subiria ao Prado. Do lado das Aldeias, acesso por escadaria mal enjorcada que caprinos e humanos utilizam, como prova as inevitáveis esferas negras dos dejectos. No lado Norte, caminho transitável até o desleixo autárquico esquecer três centenas de metros. A família viva e falecida batalhou sem resultado positivo. Os senhores mandantes locais esquecem percurso indispensável à recuperação de oito magníficas ruínas, mais duas minhas, além da casa de feliz traça chamada Prado. Amontoados de granito destelhados não pingam votos. Destroços pujantes para quem os lê até às entranhas poderiam alocar, houvesse caminho decente, turistas e novos habitantes para as Aldeias, que os há procurando naquelas bandas possibilidades ao alcance da bolsa, visto os bancos apenas financiarem credores de milhões e os remediados sem dívidas tidos por “gentinha pedinchona”!

 

Terminada outra jornada de trabalho, entro em casa “mais morta que viva”. Mergulhada em água tépida, cheirosa, ouço o telefone. Por tudo estar preso no sítio, nada caiu além do desgosto. Encharcada, catrapisco o inoportuno. Era a Sr.ª D. Ventura, funcionária ano inteiro e cozinheira onde crítica é impossível botar.

_ Vou aí, Senhora Doutora! Tenho um arroz doce ainda morno que acabei de fazer. Achei-a desfigurada. Isso é fome e excesso de trabalho.

_ Não se incomode. Remedeio-me com qualquer coisa.

Apertando a gula pelo pitéu, somei:

_ No estado em que traz a perna não deve andar. Vou a sua casa.

_ Não vale a pena. Tenho o dedo na campainha.

E tinha. Recusou entrada pela hora tardia. Deixou-me o doce e foi-se no breu sem que me fosse permitido dar serventia aos ténis já calçados para a condução.

 

Obliterei a «banhoca» interrompida. Duma assentada, comi meia travessa. Suspirei, gemi durando o deguste. Olhei para o restante e decidi ficar para o dia seguinte. _ Qual quê? Já na cama, livro na mão, havia desconforto. Era a travessa meada o problema. Deixou de ser. O sono chegou num ápice.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 13:48
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Sábado, 3 de Setembro de 2011

O PADRE ISIDRO

Autor que não foi possível identificar

 

O Padre Isidro foi sacerdote exemplar e homem de cultura. Enquanto pároco de Gouveia, deixou obra feita com a intenção de ajudar desvalidos e promovê-los também através da informação. Casa paroquial sempre aberta a quem a ele recorria, fosse à busca de conforto ou conselho. A sua profunda humanidade ficou perpetuada na memória daqueles que o conheceram e dela deixaram notícia às gerações posteriores.

 

Preocupado com a falta de instituição que permitisse prolongar estudos além da ‘primária’, fundou colégio que leccionava até ao quinto ano do ensino liceal. Antes e após cumprida a quarta classe, os alunos eram encaminhados para Gouveia ou Viseu. Ora, para pais sem família alargada que lhe acolhesse os filhos numa cidade ou noutra, era incomportável sustentar quarto, alimentação, propinas e material escolar necessário mais as viagens nos finais de cada período escolar e as que os progenitores faziam para amenizarem saudades e inteirarem-se do andamento dos filhos. Não era fácil desenraizar crianças de dez anos da família. Por essa razão e por incapacidade económica muitas ficaram com a escolaridade básica, outras nem essa concluíam. E assim se perpetuava a ignorância das gentes beirãs que outro saber não tinham além do fornecido por via de professores dedicados e da grande mestra experiência. O décimo aniversário era, para muitos, sinónimo de passagem à vida activa. As bolas e bonecas de trapos, os brinquedos de lata, carinhos em madeira onde o rapazinho cabia e que conduzia pelas ruas enlameadas chegando as chuvas esperavam o domingo para a criança ter direito a sê-lo.

 

Empreendedor e sem receios de pedir auxílio a quem o podia fornecer, o Padre Isidro concretizou o sonho de abrir colégio que aos mais dotados ou com algumas, embora modestas, posses desse alento para continuarem estudos junto das famílias. Gerações muitas de crianças e adolescentes ali estudaram, sendo obrigados a largar a família apenas se além do quinto ano pretendessem avançar. Mas aí, já os quinze anos permitiam saída, sem riscos de maior, do ambiente natal.

 

Uma das saborosas características do Padre Isidro era o gosto por tertúlias, petiscos e convivência abrangente, sem lhe fazerem mossa importâncias sociais. Era Sexta-Feira Santa e em Aldeias participou num ofício religioso. Seguiu confraternização com alguns homens do lugar. Perante uma mesa bem coberta de pão centeio, salpicões, queijo da serra, requeijão e presunto inteiro cortado à navalha, o sacerdote não resistiu, cansado como andava de correr de um lugar pró outro para em todas as freguesias não faltar ritual condigno em honra da morte  e ressurreição do Senhor. Com a «fomeca» que trazia por mal ter tempo para refeições merecedoras do nome, criou embalagem com a conversa bem-disposta; minutos após, já ele mastigava, olhos em alvo pela bênção na forma de petisco, quando ouve dum pastor:

_ Ó senhor padre, olhe que está a comer chouriço e hoje é dia santo. Carne está proibida ao seu rebanho.

Lesto, responde:

_ Ora, ora… Que saiba, Deus encarnou mas não enchouriçou!

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 11:41
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Domingo, 28 de Agosto de 2011

GLÓRIAS D’ANTANHO

 

Pisando solos conhecidos, as lembranças que pareciam arrumadas em arca de sólido castanho cerrada por ferragens caprichosas respiram pelas fendas. Com tanta insistência o fazem que num sopro mais forte deslizam as aldrabas. Escancarada a arca, saltam novelos de recordações à mistura com fotografias e postais e cartas e bordados e rendas em linhos que foram alvos e ferrugem maculou. Todavia, basta químico adequado e uma barrela para voltarem ao branco primordial. Assim fosse com o tempo que dizem tudo sarar. Mas não. Bastas vezes corrói, deixa nódoas difíceis de remover, arruína o outrora belo sem que falado seja o corpo. No espírito, sim, acontece o voar do tempo trazer ao de cima imperfeições que refinou. Como nas pessoas, nas sociedades nas casas. Deixando aos anos laborar por sua conta e jeito, corcovam os telhados, neles as fendas pela zanga dos ventos.

                                             

 

Deixando aos anos laborar por sua conta e jeito, corcovam os telhados, neles as rachas pela zanga dos ventos, alastram limos nas paredes de granito que a moda duma época cobriu – regressando os emigrantes com alguns dinheiros ajuntados remodelavam ou construíam casas fatalmente pintadas; quem ficara, talvez não desejando restar atrás, sobre as paredes de rocha derramava baldes de tinta. Deu no que deu, o mesmo é dizer «maisons» por todo o lado indiferenciando doutros os lugares serranos. Descaracterizados da personalidade de outrora, empobreceram. Não foram os picos da Estrela encimando o vale a demarcar geografia de encher o olho, os pobres sem meios para mudar o herdado, a pronúncia e o léxico local, julgar-se-ia Beira outra. Hoje, passado o negro período migratório e miserável pelas condições de vida amanhadas na «estranja», estão de volta os granitos exibidos com raça e graça. Deo Gratias!

 

 

 

Para quem na arquitectura procura estórias muitas perspectivas há de as ler. Janelas e janelos por exemplo. Quando debruadas as primeiras por pedra com recortes notificam dos haveres e gosto do dono pela obra a crescer. Da época de construção. Os janelos tinham serventia na iluminação natural de corredores ou esconsos sombrios afastados das visitas que aos espaços ‘de receber’ arribassem.

 

Fachadas, pouco antes, pouco depois de 1900 não costumam enganar. Esquadrias simples apenas com detalhe diferenciador. Dentro, portadas de madeira que da noite aliviassem temores e do sol o calor, as cores dos móveis e objectos.

 

 

Na Beira Alta, casa sem ‘loja’ não o era. Sem forro interior, rocha por aparar à vista, era cómodo para lenha, lagar, garrafeira, carpintaria, para tablados onde as batatas recolhidas de chão fértil esperavam mãos hábeis que na panela ou no forno delas fizessem pitéus. Ainda lusco-fusco, o trabalhador agrícola, almoçava: tigela de sopa, batatas com farinheira ou morcela ou ovo ou o que da «ceia» - jantar para os urbanos - tivesse sobrado. Sendo o labor nos lanifícios, o mesmo. Uns e outros precisavam de amanhecer com sustento para aguentarem costas curvadas pelo peso da enxada ou a jorna de pé frente a tear sem parança.

 

 

 

Ruínas há muitas por esse país fora. No concelho de Gouveia, talvez menos que o habitual. Recuperadas na maioria, restam algumas que apetece espreitar para mais tarde sonhar. É tentadora a fantasia, projecto quiçá, dos granitos destelhados fazer habitação que lustre a paisagem e o ambiente rural, segunda moradia para quem habita nas cidades grandes entupidas por tráfego que ao dia rouba horas de descanso ou primeira se o tentado se pode arrogar privilégio tamanho. Porque o é, diz quem a mudança experimentou e renasceu para a simplicidade original.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:31
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Quinta-feira, 18 de Agosto de 2011

CANTARES NA MINHA ALDEIA

  

Do espólio familiar (autor das letras e da música Artur Brojo) e de S. Cosmado-Aldeias.

 

“Do alto da serra,

Olhei pra baixo e vi

A igreja da minha terra

A casinha onde nasci

 

Vejo além ao longe

Um regato e uma fonte

E uma linda capelinha

Tão branquinha lá no monte

 

Vejo da minha janela

Toda a casinha singela

Nesta aldeia de encantar

Vejo lindo panorama

Que logo a atenção me chama

Para depressa adorar

 

Vejo as ovelhas no monte

Correr a água da fonte

Por enormes ribanceiras

As moças ao regressar

Depois do trabalho acabar

Cantam lindas ramaldeiras.”

 

Enquanto na “Sociedade Industrial” –Amarantes, as lançadeiras iam e vinham, obedeceu ao ritmo e compôs a música do “O meu Amor é Pastor” (poema escrito ao serão do mesmo dia). É considerado património do folclore do Concelho de Gouveia.

 

“O meu amor é pastor

Já anda a aprender a ler

Já comprou uma cartinha

Para depois m’escrever

 

Rapazes e raparigas

Cantai cantigas

Batendo o pé

Também canta o meu amor

Que ele é pastor

Ai lariló-lé.”

 

Artur Brojo tinha profunda consciência da opressão dos trabalhadores pelos donos da terra coadjuvada pela sua experiência fabril (referido em “Maria e Sario”). Embora desse trabalho a quem precisava, jamais explorou o suor alheio. Exemplo duma quadra musicada que, segundo os recontos, criou e o povo a que tinha orgulho de pertencer cantava sob o peso da enxada.

 

“Ao malhar da borda

Vinho à malha

Se o patrão não paga

Fica o pão na palha.”

 

Com António Pinho Brojo e o amigo deste, André, nas férias em S.Cosmado, ambos exímios tocadores de viola e futuros catedráticos de Farmácia na Universidade de Coimbra, nos serões da família e por onde calhava, tocavam até de madrugada.

 

O António, o André mais o Zé Roque faziam serenatas de encantar. O poema seguinte fez parte duma em favor da, ao tempo muito jovem, tia Maria do Céu, vinda ela de férias do Colégio do Sagrado Coração de Maria, na Guarda, onde prosseguia estudos.

 

“Ao longe

Ao cair da tarde

Quando no mar

O sol lentamente

Se vai apagar

É que eu penso

No teu olhar

Tão meigo e profundo

Que me deixa a sonhar.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:56
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Domingo, 7 de Agosto de 2011

OLHAI AS FLORES NA E DA SERRA!

 

 

Começada a manhã, nuvens baixas ensombravam-na. Sem desânimo, que os nevoeiros serranos, de espessos e intempestivos , obrigam a condução precavida, continuou o projecto de trepar até onde apetecesse a subida da Estrela. Sussurro do motor em marcha lenta para melhor fruir, na «escalada», dos pertos e longes.

 

 

Oito quilómetros, não mais, para trás o tecto nublado. Céu limpo, faldas e cimos em planos multiplicados, janelas abertas prontas à entrada do ar leve. Mais à frente, dois mil metros somados, a primeira casa no lado oeste da montanha. Arquitectura típica semelhante às seguintes no lugar das Penhas Douradas. Pinheiros alpinos substituem os bravos como atrás e dali em diante. Granito imponente erodido pelas intempéries é mostra pequena doutros seguintes. Perdição do olhar obriga a interromper passeio. Por bandas aquelas, caminham pés diligentes acicatados pelo que nem é novo, mas retoma fantasias sugeridas pelos mistérios sempre renovados e escondidos nos cumes.

 

 

Após contemplação, corridas _ Quem chega primeiro, quem é? _ e risos  e afectos entretecidos com as belezas da paragem e na descida. Para quem desliza rente aos sopés, afiguram-se arvoredos diferentes, aldeias, Aldeias a primeira. Por dissonante do granito inteiro ou parcial em cada construção, o amarelo é ultraje. Convém ignorá-lo – pecados destes enxameiam o país. A curva dos montes sobranceiros protege a encosta no lado oposto à falda serrana.

 

 

Musgo ressequido tenta recolher alimento da base rochosa. Flores do campo, sem nome para os citadinos, imaculadas na brancura estabelecem fronteiras entre pinhais e terreno húmido. Quem garante não servirem, depois de secas, para tisanas ou panaceias receitadas e bem vendidas (impingidas) pelos curandeiros da zona?

 

 

Rocha ígnea, mistura sólida de feldspato, quartzo e mica, emolduram «sardinheiras» - chamam-lhes malvas noutras regiões – e cíclames também envasados. Os quadros aprazem quem passa e de distraído nada tem. Tanta cor nas pétalas suculentas para quem delas faz complemento gastronómico sugere estória real: há par de anos, os anfitriões dum jantar esmerado serviram aperitivos e mordiscadas diversas, entre elas, algumas entremeadas com pétalas frescas. Um dos convivas não esteve de modas fosse pela fome ou distracção: acabou mastigando o pot-pourri na taça ao lado.

 

 

Rosas e hortênsias, a flor oficial da pequena cidade serrana, crescem e enfeitam recantos assim haja sombra e água. A cor decidida pela composição do solo – se alcalino, a variedade é rosa, se ácido o pH, é azul o colorido. Venenosas, quem diria da inocência estampada? Culpadas de sofrimentos físicos conducentes ao coma. Provado é que a beleza pode encobrir malfeitorias.

 

 

Buganvílias, típicas de quenturas, aparecem de quando em vez. Forram muros e dependuram-se em paredes. Contaminação vegetal num país minorca que muito vale e arrebita o orgulho de ser português.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:48
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Domingo, 22 de Maio de 2011

MÍSCAROS E CARQUEJA

 

A rota de amor começara quase trezentos quilómetros antes. Companhia de viagem: música significante e deslumbre pelo novo acrescentado por via do langor exuberante da Primavera. Deslizando linhas do céu conhecidas, foi tempo de alegria. A Teresa C. amou o percurso mil vezes repetido com a Aguieira nas margens da IP3 - manto de água, espelho de povoados, ilhotas dispersas, barcos ancorados. Na chegada, o perto irrompeu majestoso pela simplicidade vetusta, pelo histórico acumulado. Encimando muitas, a casa aldeã.

 

 

Do outro lado da ponte, sobre a ribeira e lameiros/margens, o registo do lado fronteiro que até às faldas da montanha se escoa. Casario sem plano unificador, mas onde o granito ou impera na totalidade, ou em detalhes denunciadores da matéria-prima que foi rainha na região. O enriquecimento durante e no pós-emigração trouxe algumas, poucas, maisons. Do surto migratório, a consequência maior e danosa para a arquitectura tradicional foi o efeito mimético dos que não arredaram pé da aldeia pobre – quem pela tinta não disfarçasse o granito afirmava a real diferença económica com quem arrojou, nos primórdios, “a salto”, fronteiras outras.

 

 

Nas ruas alcatroadas, outrora de terra batida, os plátanos e espécies outras de árvores viçosas são borda. A floresta próxima cresceu. Ida a que fora horizonte alto. Incêndios em sucessivas levas substituíram as matas por carecas disfarçadas com giestas floridas. Amarelas dominam, as brancas escasseiam. É memória o prazer de, chegado meio de Outubro, na base dos pinheiros encontrar míscaros, guardá-los na sacola para mistura com pedaços de cabrito, pão, carqueja aromática que o lume e a perícia da cozinheira transformavam em ensopado.

 

 

O Inverno chuvoso e frio, os nevões, o assobio do vento mais afiado que lâmina, encharcou os campos. Daí o verde do musgo sobre pedra, hoje, alimentado de quase nada. Mas sabe onde ir buscar o nutriente principal, a água, que à beira não falta e a porosidade da rocha também guarda. 

 

 

Fim de tarde, hora da janta, é deixada para trás a aldeia/Aldeias. Ao estacionar na «vila» como ainda chamo à cidade, um de muitos chafarizes que vertem água do degelo na montanha. Simples, pelos limos e amarelecimento do granito por via metálica grita idade. Ao lado, trepam heras. Selvagens. Livres, conquanto o instinto sobrevivente as amarre à pedra.

 

 

No cimo do chafariz, alguma imponência pelo granito trabalhado onde os séculos deixaram marca. Não fossem as cicatrizes das feridas gravadas pelo tempo, parte do encanto e respeito desvanecer-se-iam. Assim, avançam intactos em cada dia corrente.

 

 

Casa, telhado, ferros, sacada sobre a ruela - Rua da Cardia chamam-lhe. Quem a vir tão preservada e adiante passar ignorará quem lá nasceu. Muitos o fazem. Os mais atentos não perderão pitada como o casal croata que por ali passeava. Parou, à máquina ordenou milhares de píxeis, nariz espetado ao alto. Cliques sucessivos. Eu com eles por gosto e para no SPNI mostrar.

 

 

A placa tudo diz. 

 

 

Cortando na primeira à direita, calçada espevitada que de saltos, para quem os ali tem por base, troça, uns passos e restaurante de truz. Granito dentro e fora. É o Júlio a quem já o Quitério reconhecia mérito e não dispensava. Por ali, encontrei realizadores de cinema, músicos, escritores e gentes tão anónimas como eu que do lugar fazem romaria. Prato escolhido? _ Ensopado de cabrito e míscaros, pois então!

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:03
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