Lindsay Goodwin
Dos medos ela sabia. Já em pequena temia que a calada da noite encobrisse criaturas que haviam de descer do sobrado e deslizar, manhosas, pela escada. Se da primeira vez teve os pais em socorro, acendendo a luz e provando, com mansidão, que afinal do temido nada havia, nas ocasiões seguintes recebera um beijo e um "durma, menina, que é tarde." E dormia, como bem-mandada que era suposto ser. Mas não era. De facto, ficava à espreita, aterrorizada, até provar que nada vindo até ali era porque nada havia para vir. Então, sim, dormia refastelada, a serenidade com ela.
Ao crescer, percebeu que os medos invadem quem lhes arranja lugar. E depois, na euforia das descobertas e afirmações quem tinha tempo ou interesse em olhar para o eu interior? Foi somente anos passados que sentiu temor não centrado na saúde: o medo do abandono. De ser largada. Passar de significante a insignificante. Perder importância no afeto de alguém, como os extremos de crianças e velhos e cães expulsos de casa. Deixar de merecer estima.
Começou a ver de outro modo os afetos. Turvou de ameaça o amor. E nem tinha razões, apenas coisas miúdas que amontoava e somava e temia e a ensombravam mais e mais. Retraiu-se no amor - misturava temor com amor e rancor pelo abandono que não vinha mas sentia e quase o merecia por tanto o temer e a ele ceder. Tornou-se pessoa pior. Ninguém a abandonou, salvo ela que deu ao fresco de si própria. Lutou, respirou fundo e mandou às malvas a vil persona que a habitava. Gostou do que em si e nos outros viu. E tão grata foi a percepção que, exausta de receios, abandonou o ser até aí amado - analisado a frio e sem temores, não merecia um reles medo, quanto mais o seu amor!...
CAFÉ DA MANHÃ
Tema composto e cantado originalmente por Dolly Parton
O Paulo está apaixonado pela Isabel que retribui o sentir. Por orgulho, intolerância, arrumaram em lágrimas o sentimento. A Isabel continua só. O Paulo chora a paixão que não chegou a casal feito. Mas lembra os dias em que o pressentiu e quase era. Atualmente, ele penetra quem calha - umas hoje, outras quando sucederem. Que venham e vão. Ou fiquem, ofertando idolatria capaz de lhe nublar o histórico de rejeições. Presentes. Dolorosas. Hesita no afeto que, agora, lhe inspira a Sofia. Imagino, do Paulo, o pensar:
_ “Mostra que me acarinhas e colocas adiante do que é muito para ti. Do teu filho e do ainda marido. «Ex» quando o apartamento com renda proibitiva que o banco, pontual, cobra, tiver comprador. Quando forem rachadas ao meio valias e dívidas. Ganhas pouco. Eu, o dobro. Vida medíocre não alimenta desejos maiores num amor.”
Lastimo se tu, Paulo, cogitares assim e o pudor te censurar esta fala. Pelas descrições em confidências nossas porque amigos fiéis, sinto-me próxima da Isabel. Não iludas a Sofia! É mulher/menina que sonha paixão igual à dela. É afetuosa, carente de vida que lhe devolva bondade. Não ludibries quem podia ser tua filha. Esquece de vez dores e lágrimas ou enxuga-as, com lisura, no colo dela. Não podendo, evita a mentira duma paixão que somente endereças, inteira, à Isabel. Respeita-te. És homem e tanto! Vês como não prescindo deste laço fraterno que nos prende ao telefone e é confessionário? Dizes ter-me como 'não amiga' por considerares a amizade sentimento arredado dum homem que deseja aquela precisa mulher. Tem de ser assim? A amizade é elo com facetas múltiplas. Forma outra de amor, mais abrangente, mais livre, isenta de projeto comum, ressalvada a partilha de reflexões e o querer saber.
Porque se enreda o Paulo em fados doridos? Porque aquiesce à Sofia quando sabe omissa paixão e o sentir exaltado que lhe confere sentido aos dias? Porque chora pela Isabel e a Isabel por ele? Separados, levam ao palco tragédia que podia ser ópera e já foi e voltará. Digo-lhe:
_ Não engaioles a Sofia num amor de raspão. Mentiroso. Fim à vista. Acabado, o menino sofreria com o olhar e os sorrisos esmorecidos da mãe - quatro anos entendem muito, mesmo ignorando o nome do que lhe muda o horário do jantar, o gargalhar apagado à hora do banho, da brincadeira durante e depois. Deixa-o crescer sem lágrimas que tu faças verter.
Autor que não foi possível identificar
Nota prévia – transcrição do e-mail/testemunho de uma leitora que permitiu a divulgação por mim solicitada. É de ler e ir além.
“Apresento-me!
Na hora de conhecer o "habitat" a que estava destinada, dei luta á parteira e "berrei" dias seguidos, quem sabe, para contestar o que já me estava destinado.
Foi "marca" que deixei desde a primeira hora - porque ainda hoje, quase com meio século na bagagem, sinto a revolta dos porquês da vida, questiono tudo e todos, pergunto-me para onde vou com tudo isto, quem sou e quem serei.
Consta que só o embalar e o rezar baixinho de uma freira me acalmava, enquanto me tinha nos braços... mas desses momentos de nada me lembro!
Primeiro sinal de que com afecto e meiguice se consegue algo de mim!
Infância gira apesar de um Pai exigente, uma Mãe submissa, fui rebelde e muito traquina e "abri o caminho" para mais 3 irmãos. O sentido de humor e um sorriso ainda hoje evidente, também ajudaram!
Enfrentei e tentei quebrar as regras impostas de um Pai inflexível, e depois parti para longe, porque viver em casa, era um sufoco. A vida era nessa altura para mim, muito mais do que confrontos entre duas personalidades muito fortes a partilharem um espaço confinado, e onde através de olhares, sentir que do lado da Mãe pouco ou nada podia esperar.
Mochila às costas fui parar a terras de sua Majestade!
Aprendi cedo a construir os "alicerces" de uma vida de adulta. Trabalhei entre servir a mesas, ser modelo na Escola de Belas Artes de Londres, estafeta, secretária, tradutora, empregada de limpezas...perco a conta dos lugares que preenchi.
Casei e tive filhos.
Lutei por termos uma vida estável, o necessário para manter o equilíbrio, sem que no entanto esta não tivesse constantemente passado "rasteiras" e obrigado a "andar com a casa às costas" vezes sem conta. Percorri sempre esta "gincana da vida para peritos" como uma concorrente assídua.
Contornar a torre do desemprego, passar pela curva apertada de não ter um tecto, saltar muros de noites e dias aflitivos, decifrar códigos da angústia e procurar os "deuses" para perceber o porquê.
Vivi com o suficiente e sobrevivi sem nada.
Parceiro quase sempre ausente, porque havia que fazer pela vida e necessidades, fomos crescendo por caminhos diferentes. Enquanto um trabalhava para o sustento, o outro mantinha-se de guarda aos "projectos" de vida, agarrando esta e outra oportunidade como ajuda complementar.
Deixei para trás o meu sonho em prole de tudo isto e vesti a "farda" de uma guarda de segurança com turnos permanentes, de um futuro sem sustos para as filhas que amo acima de tudo e todos.
Irrequieta, imaginativa, sempre consegui sair de vários "fundos" do túnel da vida e desvendar a luz uma, duas...dezenas de vezes.
Ajudas foram sempre poucas, e dos "estados governantes" pouco ou nada recebi.
Porque me é impossível manter os sentimentos quando a ausência é uma constante, a separação das emoções e o divórcio dos afectos era inevitável.
Continuamos amigos e "unidos" por um factor comum: as filhas e o compromisso de mantermos a responsabilidade de as "lançar" para uma vida com as ferramentas necessárias para o projecto de cada uma.
Apesar de tudo isto senti-me sempre "jovem" - nunca o peso do tempo da minha existência, nem me deixei influenciar por os ditos padrões da minha faixa etária.
Regressei às raízes para voltar a reconstruir as ambições que tinha.
Mantive a plataforma para que ambas as filhas pudessem ter o que nunca tive. Assegurei-me que podiam andar pelos seus próprios pés, sem andarilho ou guarda-costas.
Esperei pacientemente pelo meu momento. Tirar um curso, poder financeiramente ter segurança e conforto nesta vida que não foi fácil.
Conheci também alguém que me voltou a despertar a paixão, abanou o meu intimo e me fez sorrir para o conforto do prazer. Amo-o perdidamente sem nada exigir ou pedir - vivo este capitulo um dia de cada vez e dou tudo o que sou e tenho sem ter expectativas de nada.
Recarreguei a vontade e a esperança - arregacei as mangas e fui à luta para um dia me sentir mais realizada.
E eis que aparece a "crise", essa onda de circunstâncias e mares poluídos, que nos atira contra as marés da incerteza e angústia e que sem dó nem piedade nos retira tudo, menos talvez a esperança, e destrói projectos, sonhos, mais uma vez. Ambos desempregados, sem recursos nem casa própria, num labirinto onde a "idade" arruma-nos para o lado e as "megeras poupanças" acabaram.
Voltei ao nada, ao vazio, sem ter respostas nem forças. Olho-as nos olhos e sinto a injustiça de não ser capaz. De ter falhado mais uma vez, do desgaste, da pena, da incógnita tormenta do que será o amanhã...deste cansaço sem poder voltar atrás e retirar algum sofrimento da vida para conseguir vencer o momento.
Li o seu blog, e senti vontade de desabafar...
Parabéns e prometo voltar a visitar o seu blog quando a necessidade do conforto da palavra escrita, me der essa oportunidade!”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros