Ferdo Voight, autor que não foi possível identificar, S.V.Mitchell
Manda a superstição que a serpente não morda aqueles que a enfrentam parcial ou totalmente despidos, como se identificasse um seu semelhante. Perante essa prova de transparência, recua na estratégia de defesa e esquece a rivalidade mantida com os homens desde o amanhecer das eras. Por uma vez, a grande sedutora engole o veneno e deixa-se seduzir. Acredita que os braços e as mãos, ao moverem-se no ar, são como o seu corpo esguio e ondulante e que por baixo da nudez nada há a esconder. Engana-se. O encantador domina-a imitando-lhe o olhar fixo e reptilíneo. Trata-se de um jogo de sedução pela simetria: a serpente encanta o encantador de serpentes.
O homem tem tocado a música de encantador graduado, convicto que a serpente dentro do cesto dança, atenta ao movimento e ao som da flauta que nas mãos faz ondular. Esqueceu que a quase tão velha como o mundo serpente não se rende assim ao encantador: não tem ouvido para a música. É ela que domina e dita as regras. Talvez ao Homem, quando levanta a tampa do cesto, assuste o olhar frio e o dizer da serpente:
_ Estou e sou. Sempre. Ignorar-me, não podes ainda que tenhas julgado ao subtrair-me o veneno fazer de mim indefesa e obediente.
No tempo corrente, afluem aos círculos poderosos serpentes e encantadores presumidos; incompetentes muitos. E o réptil que ziguezagueia em dança, também ela falsa, é conivente ou opositor consoante os dados lançados nos jogos da manipulação que, em fim último, atingem peões átonos - todos nós, os des(en)cartados e (des)enganados espectadores.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros