Quinta-feira, 23 de Abril de 2015

"LISBOA SONG" - DIA MUNDIAL DO LIVRO

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Amy Yoes

 

Em 2010, abri as páginas de tom pérola editadas em formato acima do de bolso e capa rígida. Na segunda, em baixo, a frase de Virgílio Ferreira que tomara como minha pelo apreço ao título duma crónica escrita por Inês Pedrosa – “Da minha língua vê-se o mar”. Após essa, as outras páginas foram debulhadas com demora próxima da fruição dum enamoramento adivinhado, depois, certeza. Recordo a alvura do lugar feito de silêncio em que a paixão nasceu. Outras houve e perduram com idêntico começo: ao escolher um livro que arreda outros, experienciar alvoroço intenso e premonitório de inúmeros regressos às páginas com tal sortilégio.

 

É de amor a história de António Mega Ferreira que titulou “Lisboa Song”. Amor a uma cidade, amor a uma mulher estrangeira que pela mão do narrador descobre a novidade duma mancha urbana peculiar, quem a habita, quais as tradições e os costumes que a fazem respirar. Respiração nunca impositiva. Modesta, sim. Por isso, misteriosa, Por isto, encantatória.

 

A narrativa poética, as imagens recolhidas pela câmara de Amy Yoes não procuram o saudosismo duma Lisboa ‘para turista ver’ ou daquela outra que foi e já não é. Antes esmiuçam detalhes da contemporaneidade e da arquitetura duma capital onde miscelânea de gentes é olhada amorosamente. Nessa mole humana, os amantes descobrem-se com langor. O mesmo que transporta para a intimidade a lenta descoberta da cidade, lagarta branca ao sol como a descreveu Allain Tanner no filme “A Cidade Branca”. Neste, é um marinheiro suíço, Bruno Ganz, que, enfastiado da condição de embarcado numa “fábrica flutuante de gente louca”, aluga um quarto em Lisboa apaixonado pela solidão e pelo silêncio, pela brancura, brandura?, soalheira que invade frestas dos espaços, que é refletida nas ruas. No corpo de Rosa, Teresa Madruga, desenha cartas marítimas de amor.

 

Fascinam em “Lisboa Song” o relato das feridas da cidade, saradas ou não, a alma dos materiais e seu parecer, os signos dos tempos idos que o terramoto selou, o baile da luz e das sombras projetadas por telhados e esquinas em vielas esconsas. Na fala/dança erótica entre os amantes, memórias para que a cidade remete – a presença de Scarlatti em vinte ou vinte e um do século dezoito com a finalidade de ensinar música a Dona Maria Bárbara de Bragança, a mitologia de Ulisses.

 

“ (…) Perguntei-lhe, e depois?, ele fechou os olhos, voltou-se para mim, disse, não há depois, nunca houve depois na vida de Scarlatti, apenas uma frase na margem de um manuscrito, vivi felice, percebes?, é absurdo pensar que este homem sem biografia, entregue aos pequenos arranjos domésticos da sua sobrevivência, tenha podido legar à posteridade uma proposição tão obscena, vivi felice, sejam felizes, como se fosse a coisa mais simples do mundo, e ouve-lhe a música, não vês como até parece verdade? (...) ”

 

“Então ela disse: a cidade é dividida a meio pela memória de um cataclismo. Há cidades atravessadas por rios, as cidades inglesas definem-se pela linha do caminho-de-ferro, há canais por dentro de Veneza. Todas as cidades antigas são assim, fragmentadas, descontínuas. Mas esta cidade, insistiu, o que a define é uma memória. A memória da catástrofe. O Deus dos católicos não é infinitamente piedoso, a nas ser nas suas preces, acrescentou. Mas na cidade também não têm por ele uma consideração excessiva. Acreditam na Fé mas não a praticam. (…)”

 

António Mega Ferreira in “Lisboa Song”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 10:00
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Sábado, 17 de Agosto de 2013

LISBOA SONG

 

Amy Yoes

 

Em 2010, abri as páginas de tom pérola editadas em formato acima do de bolso e capa rígida. Na segunda, em baixo, a frase de Virgílio Ferreira que há muito tomara como minha pelo apreço ao título duma crónica escrita por Inês Pedrosa – “Da minha língua vê-se o mar”. Após essa, as outras páginas foram debulhadas com demora próxima da fruição dum enamoramento adivinhado, depois, certeza. Recordo a alvura do lugar feito de silêncio em que a paixão nasceu. Outras houve e perduram com idêntico começo: ao escolher um livro que arreda doutros, experimentar alvoroço intenso e premonitório de inúmeros regressos às páginas com tal sortilégio.

 

É de amor a história de António Mega Ferreira que titulou “Lisboa Song”. Amor a uma cidade, amor a uma mulher estrangeira que pela mão do narrador descobre a novidade duma mancha urbana peculiar, quem a habita, quais as tradições e os costumes que a fazem respirar. Respiração nunca impositiva. Modesta, sim. Por isso, misteriosa. Por isto, encantatória.  

 

A narrativa poética, as imagens recolhidas pela câmara de Amy Yoes não procuram o saudosismo duma Lisboa 'para turista ver' ou daquela outra que foi e já não é. Antes esmiuçam detalhes da contemporaneidade e da arquitetura duma capital onde a miscelânea de gentes é olhada amorosamente. Nessa mole humana, os amantes descobrem-se com langor. O mesmo que transporta para a intimidade a lenta descoberta da cidade, lagarta branca ao sol como a descreveu Allain Tanner no filme “A Cidade Branca”. Neste, é um marinheiro suíço, Bruno Ganz, que, enfastiado da condição de embarcado numa “fábrica flutuante de gente louca”, aluga um quarto em Lisboa apaixonado pela solidão e pelo silêncio, pela brancura, brandura?, soalheira que invade frestas dos espaços, que é refletida nas ruas. No corpo de Rosa, Teresa Madruga, desenha cartas marítimas de amor.

 

 

Amy Yoes

 

Fascinam em “Lisboa Song” o relato das feridas da cidade, saradas ou não, a alma dos materiais e seu parecer, os signos dos tempos idos que o terramoto selou, o baile da luz e das sombras projetadas por telhados e esquinas em vielas esconsas. Na fala/dança erótica entre os amantes, memórias para que a cidade remete – a presença de Scarlatti em vinte ou vinte e um do século dezoito com a finalidade de ensinar música a Dona Maria Bárbara de Bragança, a mitologia de Ulisses.

 

“ (…) Perguntei-lhe, e depois?, ele fechou os olhos, voltou-se para mim, disse, não há depois, nunca houve depois na vida de Scarlatti, apenas uma frase na margem de um manuscrito, vivi felice, percebes?, é absurdo pensar que este homem sem biografia, entregue aos pequenos arranjos domésticos da sua sobrevivência, tenha podido legar à posteridade uma proposição tão obscena, vivi felice, sejam felizes, como se fosse a coisa mais simples do mundo, e ouve-lhe a música, não vês como até parece verdade? (...) ”

 

(...)

 

António Mega Ferreira in “Lisboa Song”

 

Nota: texto publicado hoje no "Está Escrito".

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

A segunda sequência de imagens pertence ao filme "Dans la Ville Blanche" de Tanner.

 

publicado por Maria Brojo às 08:14
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Segunda-feira, 22 de Julho de 2013

“LISBOA SONG”

 

Alexandra Prieto

 

Reli, treli - outros prefixos quantitativos descreveriam melhor o número de visitas às páginas encantadas – uma história de amor do António Mega Ferreira que titulou “Lisboa Song”. Amor a uma cidade, amor a uma mulher estrangeira que pela mão do narrador descobre mancha urbana, seus habitantes, suas tradições e costumes.

 

A prosa poética, as imagens recolhidas pela câmara de Amy Yoes não procuram o saudosismo duma Lisboa para turista ver ou daquela outra que foi e já não é. Antes esmiuçam detalhes da vida contemporânea e da arquitetura duma capital onde miscelânea de gentes é olhada amorosamente. Nessa mole humana, os amantes descobrem-se com langor. O mesmo que transporta para a intimidade a lenta descoberta da cidade/lagarta branca ao sol como a descreveu Allain Tanner no filme “A Cidade Branca”. Nele, é um marinheiro suíço, Bruno Ganz, que, farto da condição de embarcado numa “fábrica flutuante de gente louca” aluga um quarto em Lisboa apaixonado pela solidão e pelo silêncio que nela experimenta, pela brancura soalheira que entra através da janela e nas ruas. No corpo de Rosa, Teresa Madruga, desenha cartas marítimas de amor.

 

Fascinam em “Lisboa Song” as cicatrizes, texturas, a coreografia das esquinas feita de luz e sombras, os símbolos que remetem para linhagens várias: o terramoto, a memória de Ulisses, os ecos de Scarlatti.

 

“Então ela disse: a cidade é dividida a meio pela memória de um cataclismo. Há cidades atravessadas por rios, as cidades inglesas definem-se pela linha do caminho-de-ferro, há canais por dentro de Veneza. Todas as cidades antigas são assim, fragmentadas, descontínuas. Mas esta cidade, insistiu, o que a define é uma memória. A memória da catástrofe. O Deus dos católicos não é infinitamente piedoso, a nas ser nas suas preces, acrescentou. Mas na cidade também não têm por ele uma consideração excessiva. Acreditam na Fé mas não a praticam. (…)”

 

António Mega Ferreira in “Lisboa Song”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:33
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Sábado, 21 de Janeiro de 2012

VIDA À POTUGUESA

Deborah Poynton

Por este andar de surpresa em surpresa, um destes dias não publico nada que saia do pensar exclusivamente meu.

 

“Nos primeiros 6 meses, o Governo de Passos Coelho fez 618 nomeações de camisolas laranjas, o que dá uma média de 103 nomeações por mês. A partir dessa primeira fase, só pode aumentar o ritmo.”

 

Pelo Telmo Vaz Pereira, esta vem na sequência.

 “O Governo afastou António Mega Ferreira da presidência da do conselho de administração da Fundação Centro Cultural de Belém e entregou a sinecura a Vasco Graça Moura. Aos 70 anos, Graça Moura é convocado a liderar “um novo ciclo de desafios para o cumprimento do serviço público do CCB na área da cultura”, nas palavras sempre lúcidas do Francisco José.

Graça Moura levará consigo Dalila Rodrigues, cujo curriculum é pontuado pelos problemas que criou no Museu Nacional de Arte Antiga e na Casa das Histórias Paula Rego, tendo em ambos os casos sido demitida.

Estou em condições de divulgar, em primeira mão, extractos do discurso de Graça Moura na cerimónia de posse como presidente do conselho de administração da Fundação CCB. Sabe-se que Moura pretende dar um ar da sua graça logo a abrir o discurso:
_ ‘(…) podemos enumerar: a natureza calaceira dos portugueses; o seu feitio de incumpridores relapsos; a sua irresponsabilidade nas exigências desenfreadas; o corporativismo imperante nos sectores sócio-profissionais [sic]; os péssimos níveis de qualificação escolar e profissional; a iliteracia generalizada e irremediável; uma certa propensão para a estupidez e a crendice fácil que explica algumas vitórias eleitorais socialistas; a desagregação e desprestígio de todos os sistemas de autoridade democrática; o arrastamento intolerável da administração da justiça que nos torna uma vil caricatura do Estado de Direito; a neutralização do papel das famílias que são cada vez menos as células-base da sociedade; a falta de coragem e discernimento de alguns sectores da classe política, que não sabem pensar a mais de três meses de prazo e sempre de olho posto na comunicação social... Enfim, a juntar a isto, a crise de todos os valores éticos, identitários e culturais, o espírito de eleitoralismo permanente em que os detentores do poder político nvivem, dos governantes aos autarcas, a pilhagem do aparelho de Estado pelos boys, a promiscuidade entre os grandes interesses económicos e a actividade política - e estou longe de ter esgotado um quadro que nos transformou num país sem alternativas e sem saída.

O regime democrático deveria aprender a pensar-se a partir da única metáfora que seria válida para o mudar nas eleições: a vassourada. Mas talvez ninguém ouse fazê-lo, porque os arranjinhos, os compadrios, o nacional-porreirismo, a falta de nervo, intervêm infalivelmente num país que não chegou a consolidar-se como comunitário e agora enfrenta uma Europa de construção cada vez mais problemática. (…) Portugal está uma porcaria.”

 

E, já agora, fique-se a conhecer o parágrafo final do discurso de Moura, onde volta a dar um ar da sua graça: “A vida dos portugueses é, e vai continuar a ser, uma verdadeira trampa, mas eles acabam de mostrar que preferem chafurdar na porcaria a encontrar soluções verdadeiras, competentes, dignas e limpas. A democracia é assim. Terão o que merecem e é muitíssimo bem feito.”

É esta a escolha da maioria para o CCB.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 09:55
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