Autores que não foi possível identificar. A escultura é obra do Mestre Alves André.
'Solinho, solo, solita'. Assim vai a maré cheia que do antigo Basófias a Aguieira fez rio sério. Tricanas desaparecidas, «fadunchos» em pousio até a Queima chegar com cartolas, fitas e «grelos», bebedeiras para festejar que anestesiam euforias e nem autorizam lembranças das festas da festa por calhamaços e sebentas medida a espera. Excessos que atiram para bancos de jardim, passeios e valetas os incontidos licenciados e aqueles que aguardam idêntico grau de alforria – falsa pela futura condição de escravos em serviços e empresas e nas vindas desiludidas dos Centros de Emprego. Ora, sendo Portugal um dos países com maior rácio de graus académicos e superiores, ajuntamos nível rasteiro pela abundância dos desistentes. Falha preparação anterior, falha disciplina no estudo, falta dinheiro para bolsas com retorno ao bolso de cada um pago quando o licenciado iniciar vida laboral – vida activa têm os nossos alunos, mas noutras áreas cuja avaliação não consta dos curricula. Estas áreas paralelas sempre existiram e, pelo constado d'antanho, com bons frutos profissionais, não foram veteranos que da academia fizeram casa por anos muitos à custa dos pais e de todos.
Voltando às tricanas. Depenicava insignificância, rondando o meio-dia, quando no Central as pupilas não desgrudaram de quem inquiria o funcionário mais pedante que afável. Era, é – desde há horas, não deve ter fenecido - mulher com mais de setenta anos pelos estragos na face; avental com folhos e laçarote traseiro armado com perícia, xaile traçado, lenço colorido como consta das aguarelas que mãos idas tingiram, chinelar pausado, blusa «enfolada». Chegada ao alvo mais pedante que afável, pergunta-lhe o preço da sopa:
_ Um euro e sessenta.
- Tem o quê?
- Feijão, cenoura, nabo, e couve.
_ Couve quê?
_ Vou perguntar à cozinha.
Mãos na anca, a chinela tocava pressa. Volta o homem, Sr. Funcionário.
_ Coração de boi.
_ Ainda se fosse lombardo ou portuguesa!
Gira nos saltos rasos e arrasa o afável por obrigação, a estrangeirada pela atitude, os portugueses pela convicção. Houvesse muitos calibrados por tricana retinta que não precisa de cântaro para ir à fonte e outros seríamos. Nem o FMI cá estava, nem a lusa moleza que o trouxe era atavismo.
CAFÉ DA MANHÃ
Por ser dia de festa na família, cabe partilha de memórias risonhas.
“São Brás do Coito desafoga um para afogar oito!”, diziam os serranos numa engasgadela de truz. A reza era egoísta e a léguas dos preceitos católicos que os levavam a recorrer aos sacramentos e às procissões em carreirinha de gentes, banda de música e andores. E à missa, ponto alto da semana aldeã. Antes, havia o banho em selha que panelas de água quente enchiam, camisa lavada e calças vincadas. No adro, os homens remexiam as novas (velhas?) desavenças sobre a partição das águas de rega, futebol, mexericos e, o mais importante, a entrada das mulheres para a Igreja. Fossem moçoilas ou casadas, às mais vistosas endereçavam olhares de carneiro-mal-morto.
Pela semana, havias as serenatas nocturnos às meninas cobiçadas pelos que em Coimbra estudavam. Por arte da viola e da guitarra, que as gargantas afinadas ilustravam, mereciam o acender três vezes das luzes da casa - código de agradecimento pelo desvelo. Rosto não podia assomar à janela, ou ficava a rapariga «falada». O romantismo dessas noites até hoje ecoa.
Ao longe,
ao cair da tarde,
quando no mar o sol lentamente se vai apagar,
é que eu penso no teu olhar tão meigo e profundo (....)
Esse foi o tempo das prendadas meninas de família que incluiu a mãe e a tia. Nas sobras do colégio, aprendiam pintura e bordados. Música também, ou não centrasse a casa dos avós tertúlias onde o fado de Coimbra era rei. Mas não só. O Giacometti, o querido Raul Solnado, ontem falecido, o Vergílio Ferreira, entre outros, por lá passaram.
Nas férias, conhecido tocador de viola, cujo apelido partilho e a quem a canção coimbrã muito deve, voltava à casa dos avós graníticos no bem ser e melhor parecer. O pobre do rapaz, aos domingos, era compelido a aperaltar-se e, junto à avó, assistir à Santa Missa. Ele preferia o coro onde somente homens tinham assento e lobrigavam as pernas das mulheres ajoelhadas. Mas não!... Davam-lhe rédea curta e ficava rente ao prie-dieu da matriarca. Eis quando ouve, atrás de si, um sussurro. _“Quero fazer xixi”, dizia um petiz.
_“Não aguentas?”, retorquia a mãe.
_“Nãoooo!” respondia o miúdo aflito.
_ «Atão» vai ao adro”.
Silêncio. Instantes passados, a mesma voz infantil:
_ “Não o «átxo»!”
_ “Como nãTo o «átxas? Chega-te para te desabotoar melhor os calções. Já está. Desanda!
No entretanto, esganiçavam-se as vozes em salmos cantados que arranhavamo ouvido o do tocador . Silêncio, enfim! Sente o garoto voltar ao assento e ouve a pergunta da mãe:
_ «Atão, atxáste-lo»?”
O petiz::
_“«Atxei-o»!”
_“Dominus Vobiscum”, terminou o pároco que havia de ser meu tio bisavô.
CAFÉ DA MANHÃ
"Calou-se para sempre a guitarra imortal."
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros