Vincent van Gogh, “Starry Night”, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque
Sobre a odisseia no espaço todos sabemos um pouco. Nos últimos dias, tem sido notícia o Philae ao conseguir o inédito: separar-se da nave mãe, Rosetta, e fazer pousio num comenta descoberto em 1969 - o 67/Churyumov-Gesasimenko. Que não almejou ancoragem perfeita, é sabido. Porquê insistência na exploração deste cometa? É julgado pela comunidade científica ser determinante no entendimento da formação dos planetas e da vida na Terra.
Desde sempre, os cometas intrigam a humanidade. Em idos associados a mensageiros de tragédias, causavam pânico e histeria nas gentes. Seja exemplo o acontecido em 1347 quando o cometa nomeado "Negra" assolou os céus da Idade Média. E não é que, de seguida, a peste negra viria a exterminar um terço da população europeia?!... Em 1014, 333 anos antes e descrita pelos aztecas, insólita a colisão trágica do referido cometa com águas atlânticas – chuva meteórica e tsunamis. Séculos após (1909) e a propósito do Cometa Halley, Mark Twain, nascido durante uma das passagens do cometa, afirmou: _ “Será a maior deceção da minha vida se não partir com o cometa. O ‘Todo-Poderoso’ disse-me: chegaram juntos e devem partir juntos.” Twain, cujo fascínio pela ciência consta na respetiva biografia, morreu aos 74 anos pouco depois de nova aproximação do cometa. Dá que pensar.
Curiosa é a origem da palavra cometa. Deriva do latim cometes fundamentado no grego komē (cabeleira). Aristóteles, ao descrever os cometas “como estrelas com cabeleira” foi o primeiro a utilizar a derivação komētēs. Ainda hoje, o símbolo astronómico dos cometas é um disco com cauda a fazer lembrar uma cabeleira (☄). Curiosidade outra: uma das mais famosas telas do segundo milénio, “Starry Night” de Van Gogh, inclui o cometa Hale-Bopp. Mais uma: no filme (…)
CAFÉ DA MANHÃ
"O Almoço do Trolha" - Júlio Pomar (1946-50)
Do Feio reza a história. Desconheço se Savinien de Cyrano possuía a disformidade inspiradora da peça de Rostand. Factos são o Savinien ter acrescentado Cyrano ao nome de Bergerac e estarem os seus despojos corpóreos sitos no Cemitério do Père-Lachaise.
“Pintor algum jamais desenhará
perfil semelhante ao de Bergerac;
mais bizarro, excessivo, extravagante,
grotesco, caricato e petulante!
Penacho no chapéu, capa e espada,
corajoso não perde uma estocada!
Fingindo um rabo de galo insolente
empina-se e enfrenta todos o Valente!
Exímio espadachim, consigo porta
uma crista esquisita, rubra, torta...
Um nariz! Mas que penca gigantesca,
feia, disforme, polichinelesca!
Todos que veem um narigudo tal
pensam: Ah Meu Deus, que hipérbole nasal!
Não seria melhor tirá-lo? Engano!
Jamais o tira o intrépido Cyrano!”
Aristóteles distinguia o Belo e o seu oposto: o primeiro, como indicador devirtude, o Feio como o mal e o seu sinal. Os conceitos primários de hoje quase cópia daqueles. O Feio dominando aparições dum real feito de sombras e de medos. Associado ao cómico e ao obsceno. À dor. À doença. À fome. À guerra. À exclusão. "É considerado feio o rosto dos excluídos, o trabalhador rural, as mãos embrutecidas do operário. É preciso uma estética de libertação a partir dos oprimidos, que são a maioria da população que não se encaixa nos padrões de beleza", li por aí. E negamos o desagradável. Afirmamos, (…)
Nota - texto publicado, hoje, aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Cruzeiro Seixas
Do Feio, reza a história das artes e da filosofia. Desconheço se Savinien de Cyrano possuía a disformidade inspiradora da peça de Rostand. Fatos são Savinien ter acrescentado ao nome “de Bergerac” e estarem os seus despojos corpóreos sitos no Cemitério do Père-Lachaise.
Ragueneau, personagem da peça, improvisa:
“Pintor algum jamais desenhará
perfil semelhante ao de Bergerac;
mais bizarro, excessivo, extravagante,
grotesco, caricato e petulante!
Penacho no chapéu, capa e espada,
corajoso não perde uma estocada!
Fingindo um rabo-de-galo insolente
empina-se e enfrenta todos o Valente!
Exímio espadachim, consigo porta
uma crista esquisita, rubra, torta...
Um nariz! Mas que penca gigantesca,
feia, disforme, polichinelesca!
Todos que vêem um narigudo tal
pensam: Ah Meu Deus, que hipérbole nasal!
Não seria melhor tirá-lo? Engano!
Jamais o tira o intrépido Cyrano!”
Mário Eloy
Aristóteles distinguia o Belo e o seu oposto: o primeiro como um indicador de virtude, o Feio como o mal e o seu sinal. Os conceitos primários de hoje quase cópia daqueles. O Feio domina aparições dum real feito de sombras e de medos. Associado ao cómico e ao obsceno. À dor. À doença. À fome. À guerra. À exclusão. "É considerado feio o rosto dos excluídos, o trabalhador rural, as mãos embrutecidas do operário. É preciso uma estética de libertação a partir dos oprimidos, que são a maioria da população que não se encaixa nos padrões de beleza", li por aí. E negamos o desagradável. Afirmamos, socialmente, não existirem pessoas feias, idiotas ou malvadas. Mas não existindo o pouco inteligente o feio e o malvado, como haver o superdotado, o belo e o bondoso?
Eduardo Batarda - Cena Canalha
“Beauty is in the eye of the beholder”, lugar-comum que exclui o Feio. Feio, do ponto de vista de alguém, nada mais. Nas vanguardas do século XX, surge o triunfo do Feio também como contrapoder. A fealdade portuguesa pela mão do Almada, do Amadeo de Souza Cardoso, dos expressionistas Mário Eloy, Pomar, Júlio Resende, dos surrealistas Dacosta, Cruzeiro Seixas. Nos percursos de Paula Rego, Bértholo, Eduardo Batarda. Todos dando corpo a uma "bela fealdade" contemporânea.
Bernardo Pinto de Almeida escreveu: “O Feio é a irrupção do expressivo. Enquanto houver fealdade, há esperança e utopia.”
Nota: quase em simultâneo no SPNI e aqui.
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