Ando numa de sonhar. Com Adolphe Sax, no caso. O senhor nascido faz hoje dois séculos na cascata da cidade de Dinant (Bélgica) sobre o rio Meuse, está morto e enterrado desde 1894 no cemitério parisiense de Montmartre. Desconfio que ocupar o tempo nos braços de Morfeu com falecidos não pode ser coisa boa. Talvez a infância atribulada do homem seja causa: quase morreu afogado, escapou de ficar incapacitado em queda tenebrosa a partir duma escada, de voar para mundo outro ao ingerir verniz utilizado pelo pai, cultuado fabricante de instrumentos musicais. Sax viria a fazer jus ao ditado "filho de peixe, sabe nadar".
Não tivesse Adolphe sorte tamanha, ficaria por patentear, aos vinte e seis anos de idade do afortunado criador, o saxofone - ainda o instrumento musical mais recente isento de suporte elétrico. Trilhou caminho sinuoso para o divulgar: primeiro, adotaram-no as bandas militares francesas, depois, os musicais no teatro até Berlioz se render e Rudy Wiedoeft vir do além Atlântico para levar a novidade para as américas. Sem ele, John Coltrane, Dexter Gordon, Charlie Parker, Sonny Rollins e Stan Guetz, entre outros, seriam anónimos cidadãos para a história da música do século XX.
A história invulgar de Adolphe Sax é comemorada - exposição urbana “Arte do Sax” na Ponte Charles de Gaulle em Dinant e mostra extensa no MIM (Musée des Instruments de Musique) até 11 de janeiro de 2015 sito num edifício art nouveau em Bruxelas. Quem dera largar o sonho de hoje e desembarcar na realidade belga! Bem podem fazer deles os alentejanos franceses. Felizmente, Hercule Poirot mostrou-lhes o engano pelo uso das exímias (…)
CAFÉ DA MANHÃ
Mati Klarwein
A Bélgica prova o improvável: desde há um ano, vive de modo relativamente tranquilo sem primeiro-ministro ao comando. Dedução imediatista: as redes políticas tradicionais são dispensáveis para os cidadãos ainda que repartidos por regiões e línguas – flamengo, francês e o minoritário alemão. As estruturas hierárquicas funcionam por si próprias, uma vez que Sua Majestade, o rei, apenas acumula postura decorativa com funções extremamente limitadas de Chefe de Estado. Não pinta, nem manda no essencial.
Todavia, a realidade vai além. Na ausência de entendimento entre os partidos mais votados para formação de governo, por tal omissas reformas internas, a dívida belga cresce sem parança – o terceiro país mais endividado da Europa, ocupando a Grécia lugar cimeiro. Maçada que aos belgas aflige sem que o quotidiano reflicta angústia existencial.
Lembrando ter a Bélgica participado de modo determinante na fundação da Europa Unida e nela hospedar sede da Comunidade, adivinho sinal que preside ao futuro dos vinte e sete e à organização política do mundo. Sem bola de cristal é tentador deduzir que estando o Reino Unido nas lonas, a Alemanha em desnorte eleitoral, a Itália entalada em dívidas vultuosas, a França como é sabido, ou o Durão se revela duro de roer e engendra arca de Noé que a Europa salve do naufrágio, ou, caso contrário, o mundo económico-financeiro como o conhecemos desaparece num ápice. Alguns dos centros poderosos deslocar-se-ão para outros países/leme: China, Japão, quiçá a Austrália no hemisfério Sul. O Brasil, a continuar o deslumbre pelo acesso fácil ao dinheiro de plástico, não tarda, regredirá - os europeus fizeram o mesmo e deu no que deu.
Ciclo da humanidade a cujo dealbar assistimos. Talvez fim das democracias ocidentais, talvez princípio duma nova ordem mundial.
CAFÉ DA MANHÃ
Belgas, pois então!
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros