Segunda-feira, 17 de Novembro de 2014

DE PERNAS PARA O AR

Alexandre Alexandrovitch Deineka The Road  to the

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alexandre Alexandrovitch Deineka – “The Road to the South”, 1930

 

Não é meu o hábito de «assobiar e olhar para o ar». Por desgraça deve ser tomada a incapacidade – envolvo-me para lá do regulado com injustiças e humilhações exercidas sobre quem, pelos recursos exíguos, está arredado da defesa. Olhar o ar, sim, é prática de que não abdico seja íntima e amena a fracção do dia. Assobiar é que não. Sibilar como periquito engasgado, consigo, além não vou. Dizem-me para treinar a garganta e relaxar as bochechas. Nem assim. Afunilo o ar, silvo e acabo num sopro esmorecido. Ando em explicações práticas, e da última restou garganta dorida.

 

Patinar é ambição. Em pequena ensaiei, seduzida pela etérea delicadeza da patinagem no gelo. Mal despeguei do gradeamento do pátio. Deslizavam alegremente os outros meninos, e eu trôpega, braços abertos em desalinho, quais asas de condor. Teimei, caí, esfolei joelhos e cotovelos. Nada. As rodas eram mais rápidas que eu. Farta de ver o mundo de pernas para o ar, arrumei os patins para um dia que, vergonha minha, até hoje, adiei.

 

Andar de bicicleta foi incentivo dos pais. Comecei pelo triciclo sem rasgos que preanunciassem talento especial. Trocava sem pena as três rodas pelas bonecas, brincar às casinhas, calçar os sapatos da mãe e andar de baloiço. A passagem para a bicicleta deveria ser coisa normal. Não foi. O pai segurava-me, corria estimulando avanços, se possível, a direito. Uma vez e outra. Mais outras. Mas não. Jamais caí, não aprendi –- rima e é verdade obedecendo à tradição. Tenho pena. Embevecem-me ciclistas, mochila às costas, pernas a dar a dar, a bicicleta a avançar e eles com ela. Sigo-lhes o percurso e invento o prazer do esforço mitigado pelo vento no rosto.

 

Não sendo do meu feitio conformar-me perante limites ociosos, para o assobio ando em treinos intervalados com outros, convenho, mas treino; patins e bicicleta virão depois. Enfastiada dum mundo virado do avesso que não posso ou sei mudar, uma coisa é certa: irei (re)vê-lo de pernas para o ar.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 09:44
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