Audrey Marienkoff
Amanheceu curiosa. Premiu o botão e o estore subiu. Os verdes envasados continuavam verdes. Tudo nada mais pálidos, talvez. A Célia regara, abrira janelas, fez o que pôde. Mas casa sem dona não é casa. Fica sítio de passagem pago à hora. Casa/puta. Lugar menor.
No escritório, lugar mal amado da casa, largara as malas – odiava ver o quarto em desarrumo. Abriu a indispensável. Retirou o saco da higiene/rotina. Nada mais. Do gavetão das mudas de dormir, puxou cetim de alças. Da sapateira, umas havaianas brancas. Não condizia «lé com cré». Em cima, encanto, nos pés, o raso sem história.
Ligou a torneira do gás. Experimentou o desdobrar do esquentador. Inteligente por transigência - após o divórcio, quando vendera o apartamento telecomandado, jurara que somente eletrodomésticos burros a serviriam. Optara pela singeleza, farta de apitos e avisos, do microondas ao forno, do exaustor às luzes programadas que acendiam ilusão de vida numa casa esvaída. Recusara dominar, além do essencial, a placa de vitrocerâmica. Tanto piscar verde, tanto luzir de informação combinada! Agora, fazia vida num apartamento estúpido que amava. Não a submetia a constantes adivinhações de códigos e dígitos. Numa gaveta, as brochuras das máquinas. Distante o tempo em que prateleira a abarrotar os acomodava. Fora tempo mau num canal interlúdio de outro viver.
Nota: texto pubblicado hoje no "Escrever é Triste".
CAFÉ DA MANHÃ
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