Bo Bartlett
Homem que me perdoe, mas sedução é fundamental
Precisa de caráter e verdade transbordantes como vulcão
Que o olhar derrame lava e urgência
Misturar nos gestos tango e valsa lenta
Ter sorriso de que apeteça descobrir os mistérios e rir com eles
Possuir mais do que órgãos e pele
Que ao falar lembre poema de Larkin
Água límpida brotando do espírito
Fonte oculta de que apeteça beber
Espírito com olhos e nádegas
E mãos. Nunca húmidas
Serenas e ousando um regaço de mulher
O olhar tem de ser corajoso e denunciar pitada de luxúria
Puxar pontas da alma e passear no corpo da mulher
Com vagar
Postura ereta, jamais vergada ao peso da vida
Queixo direito assente em pescoço sólido capaz de afrontar borrascas
Costas largas sustendo manto invisível que envolva e inebrie a mulher
Sedução é simplicidade
Tem um quê de fugidia
Enigmática
É ave sem gaiola
Quer largueza de espaço perfumado com hortelã e poejos
Cheiro selvagem a terra viva no corpo da mulher
Aberto ao desejo
Sujeito à lua e marés
Arribado à praia e recuado, depois, ao mar
Eterno e efémero
Homem precisa ser revolto e fundear carícias
Suave ao lamber (...)
Adaptado de “Receita de mulher” de Vinícius de Moraes
Nota: publicado integralmente aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Bo Bartlett – Inheritance (2010)
Na sequência do “Manifesto do Amante Velho” do Henrique Monteiro, lembrei o livro “Venenos de Deus, Remédios do Diabo” de Mia Couto. Nele, o personagem Bartolomeu Sozinho, um solitário nos atalhos de uma vila africana, congeminava:
- “aos dez anos, todos nos dizem que somos espertos mas que nos faltam ideias próprias;
- aos vinte anos, dizem que somos muito espertos mas que não venhamos com ideias;
- aos trinta anos, pensamos que ninguém mais tem ideias;
- aos quarenta, achamos que as ideias dos outros são todas nossas;
- aos cinquenta, pensamos com suficiente sabedoria para já não ter ideias;
(…)
CAFÉ DA MANHÃ
Atentemos nas palavras do “First of May” dos Bee Gees.
Bo Bartlett
O tempo da inocência. Da ingenuidade. Da descoberta. Dos porquês. Da inconsciência do amanhã. Dourar os idos da infância é atitude comum. Fazer deles refúgio de colo, sonho e aconchego, antecipando que ao crescer não são fáceis de encontrar. Haja sabedoria para os reconhecer e preservar.
A perda da inocência, surripiada pela malícia, crueldade ou mesquinhez, outrossim pelo acto de crescer, antecedia a que no futuro se adivinhava. Esse era o tempo com difuso final. Sem que da data ficasse registo assinalado no individual calendário interior. Ao contrário da seguinte, não raro ansiada, perda do crescimento: a virgindade.
E chegávamos frágeis ao momento esperado. Assumindo tremores ou simulando saber consolidado no momento da virgindade cair. Pouco mais havendo que misto de curiosidade e temor. Nos saberes adquiridos, clandestinamente, à boca pequena, ou em desajeitados ensaios, havia a certeza da inevitabilidade. Romper o hímen era romper a última barreira mental que entravava o caminho da mudança pessoal.
Com os cataclismos, decepções e vulnerabilidades que as sociedades enfrentam, é tempo de despedida. Deixar cair a virgindade social como caiu a da inocência. Depois, crescer.
CAFÉ DA TARDE
Richard Whitney, Bo Bartlett
A Sr.ª Dona Ventura é mulher para setenta anos. Criou três filhos, sozinha pelo falecimento prematuro do marido. Foi empregada doméstica a tempo inteiro provendo o sustento da prole. Porque eficiente e bondosa, patrões compreensivos permitiam levar com ela as crianças. Conserva mãos habilidosas que, nos serões, bordam encomendas, de dia, lavam pratos em restaurantes. No ano inteiro, zela casas cujos donos só em férias as ocupam. Talento culinário faz dela cozinheira de eleição. Bem arranjada, sem avental confecciona refeições de truz para família outra reunida em cada Agosto. Miúdos e graúdos aplaudem os petiscos. Nas esperas dos assados, estrugidos e sopas divinas, ordena gavetas, limpa armários. Almoça, arruma a cozinha sem na roupa que usa deixar mácula. Entra e sai senhora respeitada.
A Leonor, trinta e seis anos, cabelo liso preso com elástico num «rabo de cavalo» terminado nas costas, é vendaval nas limpezas e no passar a ferro. Carrega história pesada – o marido alcoólico sovava-a até a deixar negra, tantos eram os hematomas. Sem uma queixa pelo medo que ele lhe inspirava e julgando assim preservar de ofensas físicas as duas filhas pequenas. Morreu novo. Casou segunda vez e é feliz com o seu homem. Bem disposta, esconde por detrás do riso fácil a mágoa do desemprego. Deita mão ao que aparece e, anualmente, assina o ponto no casarão cheio nas três primeiras semanas de Agosto. Almoça com a Sr.ª Dona Ventura na sala de estar – rejeitam a longa mesa da família que, pela amizade, de bom grado lhes faria lugar em troca das animadas conversas sobre as novas da pequena cidade. De há meses para cá, assaltos, muitos, contam, por bando de quatro vindo de Gaia que aterroriza quem trabalha e deixa a casa cerrada ou circula nas ruas e estradas. Dia, noite, amigos do alheio abarbatam o que podem. E podem muito, como provam moradias esvaziadas, o surripiar vil das carteiras sob a silenciosa luz solar. Não foram vizinhos atentos que chamaram a polícia, continuaria em expansão a carreira dos larápios.
Acontece que a Sr.ª Dona Ventura «campainhou» em hora não prevista e do saco surgiram mimos de lamber os beiços – tomates rijos e no ponto, courgette gigante, três compotas caseiras, diferentes, marmelada do ano anterior. Diga quem nas cidades «autofágicas» faz vida, se gestos desprendidos, regalos idênticos, contabilizam.
CAFÉ DA MANHÃ
Bo Bartlett, Rocket Roberts, Walmsley
Dizem-na energia limpa, alternativa privilegiada à obtida a partir do exaurir de combustíveis fósseis – carvão e petróleo. Entre fusões e fissões nucleares, matéria pouca converte-se em energia muita. O vice-versa existe e conta desde que Einstein avançou com E=mc2. Até na queima dum cigarro, os fumadores recebem dose de radiação do chumbo-210; outra, adicional, provém do decaimento do radão, gás inerte e raro, para polónio-218. A história do nome deste elemento químico tem peso: homenageia o casal Pierre e Marie Curie por via do país de origem, a Polónia. Aliás, o espírito pioneiro nas andanças duma Física e Química novas, foi desgraça conjugal: _ a mulher morre de cancro pela exposição letal a radiações. Entretanto, o marido, Nobel da Física como ela, não resistiu ao atropelamento por uma carruagem na rua parisiense Dauphine em dia tempestuoso. Restam juntos na cripta do Panteão da capital francesa. Também o ilustre par demonstra que os desenvolvimentos científicos, e deles os instrumentos, só matam quando as rodas da fortuna ditam o que lhes é próprio ditar.
A viagem do comboio que transporta resíduos nucleares de França para a Alemanha, mediatizada pelos confrontos laborados por ‘extremistas-eco’, deu parangonas por envolver como depósito país ocidental. Quando navios contendo o mesmo rumam a África ou outros lugares igualmente pobres e longínquos do umbigo europeu, os ‘ecologistas de bastão’ ficam quedos. No máximo, publicam uns dizeres e cuidam da vidinha deles. Estão lá para desaconchegos que os afastem da rotina, salvo se há muito não vêm à tona nos noticiários e jornais?!... _ ‘Nã’! Perfilam-se na teoria de quem não aparece esquece.
O nuclear, per si, não é um mal. Todavia, carece de respeito como os nevoeiros súbitos para quem sobe ou desce a Estrela, o Gerês, ou contorna ribeiras nas ilhas. Mais ainda pelo diâmetro da (re)acção. C’est tout.
CAFÉ DA MANHÃ
(O logotipo da Al Jazira é bonito de ver!)
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros