Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2011

GAIOLA DE VIDRO (II)

Bob Cole, Helene Beland

 

Ela entrava, eles também. Vez primeira, aberto o portão e somente o nome como abracadabra do condomínio via porteiro sisudo. A proprietária da fracção devia ter, previamente, informado de quem esperava o senhor cujos lábios esqueciam sorrisos. Ela com saco na mão, eles ajoujados sob rolos compridos. Ao atravessarmos os jardins, o mais carregado perguntou se ela autorizava que retirasse do interior dos cilindros envoltos em plásticos o tubo que os mantinha hirtos. _ Que não sabia, que inquirissem sobre a possibilidade a destinatária. _ Sabe, há maiores e assim temos de ir pelas escadas até lá cima. E olhe que são muitos andares! Este já duvido que entre no elevador. _ Logo vemos, respondeu. Mas couberam para alívio dela e dos homens fardados.

 

No apartamento, porta aberta, duas mulheres esperavam no hall. A dona, uma, a arquitecta decoradora, outra. Sem subserviência, repetida a pergunta. Respondeu que 'sim, que os tapetes não ficariam vincados', a mulher loira enfiada em cetim verde, elegante, bronzeada, pendurada em saltos agulha, mais parecendo dona do espaço que contratada para dele fazer obra de arte. Arriba a sócia, versão ‘vou-me daqui para caçar num monte alentejano’, com capote e botas e calças coerentes com o visual escolhido. Tal como a parceira, dama fina, boca muito aberta ao falar, vogais enfatizadas a denunciarem cópia de Cascais ou da Lapa ou doutros lugares que os há muitos.

 

Após as apresentações, as bochechas das especialistas (?) encostadas, como se fora beijo, às da mulher do saco na mão. Rindo por dentro, tirou o fato de passarinho que modista havia alindado. E a dona gostou, achou-o ‘amoroso’, ‘tá demais!’. E os tapetes enrolados continuavam a entrar. E no salão, homem fardado ‘à maneira’, ferramentas sobrando dos vários bolsos, pendurava quadros nas marcas ditadas pela de cetim. E a mulher, já sem saco na mão, a tudo assistia boquiaberta.

_ Onde estais protector dos aflitos que gaiola de vidro esconjura?

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

Cortesia de Veneno C.

 

publicado por Maria Brojo às 09:55
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Segunda-feira, 21 de Novembro de 2011

VASIL E TUDO O MAIS

Bob Cole, autor que não foi possível identificar

 

Diz o poviléu, com razão, haver dias que melhor fora não sair da cama. Destes, cada um soma bastantes que recorda ou não conforme as historietas acontecidas. Não eu – esqueço os dissabores de modo a não entupir o baú da memória que prefiro cheio de lembranças boas. Porque recente, três dias atrás, registo dia fatídico. Acordada e mil projectos em frente, iniciei a manhã cumprindo um a um. Até ao dia meio, nada de extraordinário. A partir daí foi o caos: espelho retrovisor do lado esquerdo no chão avassalado por viatura descontrolada, fuga do condutor que a vinte metros vislumbrei mas que a (des)graça da miopia residual – protege-me da necessidade de lentes para o perto – impediu registo. Chegada à domesticidade, porta da arca do «combinado» decidiu preferir a cerâmica da cozinha a restar en su sitio como lhe cumpria. Liguei para a assistência técnica da AEG. Fui, prontamente, atendida. Dois técnicos, logótipos da marca escarrapachados nos blusões, olharam, remiraram e decidiram peça em falta. No dia, seguinte voltariam. Mas não. Cobraram trinta euros e nem papelucho oficial me lembrei de pedir, tantas as preocupações. Fiquei com o retrovisor e a porta da arca do «combinado» caídos. Cedo, não ocorressem mais desgraças, deitei-me procurando na leitura descanso. Qual quê?! Parcos minutos não eram passados, ouvi trambolhão. Antecipando o pior, não há duas sem três, averiguei o motivo do ruído. Arribada à cozinha, pé enfiado no aro dum cesto de verga enquanto a luz não surgiu, despenhara-se móvel de rodas contendo utensílios vários, condimentos, electrodomésticos pequenos, batatas, cebolas e alhos. Um esparramar jamais visto naquelas paredes. Resmoneei: _ Que se lixe! Amanhã, limpeza e arrumo. De regresso à cama, prossegui a leitura naquela: _ Se mais acontecer nas horas úteis de hoje, dou conta mas nem palha bulo.

 

Três dias depois. Os putativos técnicos da AEG, não o eram. Não encontro oficina, e se muitas contactei!, que me dê resposta em tempo útil ao arranjo do espelho exterior; encontrei o Vasil, bendito ucraniano duma AEG qualquer, que me dependurou a porta com eficácia e sem peça especial – dois parafusos bastaram. Arrumei os condimentos, batatas, cebolas, alhos e a restante parafernália de acessórios culinários. A esfregona mais a vassoura e a pá, manipuladas com precisão, fizeram o resto.

 

 ADORMECI ASSIM                                                                                     CAFÉ DA MANHÃ

 

Perrin Sparks

publicado por Maria Brojo às 01:02
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Quinta-feira, 15 de Setembro de 2011

ANÚNCIO

Bob Cole, Elvgreen

 

Biscateiro é preciso. Paga honrada à jorna. Materiais, compro eu. Lavo tectos, paredes, vidros, limpo e trato móveis, baús que são mais que muitos, destes renovo o forro interior com ‘chita dona maria’ pregada a contento, esfrego tábuas do soalho para depois encerar com os joelhos apoiados em almofada e a coluna dobrada sobre o chão. Porque mais de uma dezena de divisões, mais corredores, mais escadas e corrimão para o andar segundo são excessivos para qualquer um, peço ajuda à Leonor que no Verão assiste à família na casa principal. Repartimos assoalhadas e tarefas como, e somos, boas companheiras de trabalho.

 

Apesar destas prendas domésticas há a fazer muito que em força não domino: raspar tinta velha das portas e janelas em madeira e deixá-las num brinco, substituir um vidro, decapar, proteger, pintar janelas de ferro e tectos e paredes de fora e de dentro, trocar dois canhões de fechaduras, alguém com força que transporte inutilidades para contentor. Urgência: pessoa que necessite trabalho e habilitado para o atrás expresso. Envio de curriculum: e-mail deste sítio virtual. Remuneração: cinquenta euros por jornada. Perfil: honesto e jamais ronceiro, se habitante no concelho de Gouveia, melhor. Local: aldeia aprazível da Beira Alta. Vindo de longe o(a) candidato(a), alojamento por minha conta sendo uma «ela». Prazo estimado do serviço: duas semanas. Folga: domingo por que é dia do povo, dos senhores e do Senhor.

  

Nota: as condições obrigam a cumprimento integral do tratado, ou seja, renovar em duas semanas o casarão. Despedimento imediato em caso de fraude nas habilitações ou despacho – posso não executar, mas muito vi - embarco na terceira viagem - e de olho crítico não sinto falta.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 14:18
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