Boris Artzybasheff
Escuro. Cabides brancos. Muitos. Rascas. Vazios ou com pendures invisíveis. Ininteligíveis. Os cabides eram paredes, tecto e chão. Rodeado por eles, vulto em contra-luz. Curvado, afastava-os à mão e aos pontapés. Abria caminho até à porta entreaberta por onde se atrevia feixe mingolas. À medida do desbravo, mais surgiam. Tentativa continuada. Do mesmo lugar, não arredava pé. Os cabides também não. E o breu persistia. Estorvada a compreensão. Qual o dono do vulto, sombra entre sombras?
Olho meu dentro, outro fora, perscrutava. Teima: perceber o escuro, o mexer sem resultado à vista. O fio luminoso não bastava. E a porta que não abria! Sem claridade, como ver? Quando um sentido embota, outros se espicaçam. Revi, um a um, os cabides. Dei fé: pretensa homossexualidade como «pecado» maior. Noutro: "licenciatura falsa concluída num domingo". Ao lado: “reabertura de mina em Aljustrel dura seis meses”. Mais um: “obras na Guarda assinadas por quem delas não foi autor”. Lateral: “investimento de investimento publicitário por parte de ministérios, institutos e empresas públicas”. Em baixo: Freeport. Sobre a cabeça: Face Oculta. Em frente: culpado da desgraça nacional. Amotinados os cabides.
O vulto esbracejava. Desajeitado. Corda desce de insuspeito furo no tecto. O homem olha-a. Enforco-me ou tento fuga? Grita e nenhum som escapa. Pode e não pode clamar socorro. À beira de se esboroar, mais frágil que salitre, o rectângulo governado. Cabides intactos. Ocultam saídas e favorecem liquefacção das paredes que sólidas deviam permanecer. Envoltos em lençóis e apoiados em andas surgidas do nada. Fantasmas ou gigantones de Carnaval.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros