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A unidade de medida portuguesa não pertence ao SI (Sistema Internacional de Unidades). O padrão luso é o car(v)alho – feio como o car(v)alho, mais duro que o car(v)alho, chato como o car(v)alho, pesado como o car(v)alho. Mandámos às urtigas o metro, o quilograma e demais unidades que o mundo aceita, resumindo-as a um só termo de comparação. Prático, simples e sempre a jeito. Sem carecer de conhecimentos científicos, ainda que rudimentares. Por todos, entendido. Faz tempo, emigrou. Democratizou-se. Renegou pertença às classes humildes e rurais nortenhas para correr o país de lés-a-lés. Hoje é cosmopolita. Calça sapatos italianos, usa gravata de seda e veste caxemira.
“Vai p’ró car(v)alho!” Expressão intrigante. Associar punição ao dito, é fazer dele coisa ruim. Sendo maioritariamente homens os useiros e vezeiros no desabafo, não é estranha a associação? O dicionário afirma que o vulgarismo de pénis utilizado como interjeição é tão somente outro modo de afirmar espanto, admiração, impaciência ou indignação. A origem parece remontar às destemidas naus e caravelas. Marinheiro que infringisse normas era desterrado para o cimo do mastro imponente – o fálico «carvalho». Ficava o punido exposto aos ventos fortes e à mortificação. Sobrevindo enjoo capaz de largar pela borda fora as entranhas, estava garantido castigo exemplar. O «carvalho» era a «solitária» dos mares. Marinheiros em terra, a palavra perde o «r» e conserva o significado temeroso. Transformá-la em ameaça e padrão, foi um passo. Criativo povo que de um mastro faz unidade de qualquer medida, como a distância do car(v)alho entre Bragança e Cacilhas.
CAFÉ DA MANHÃ
Vem do céu. Quando esperada, rebelde como é, fica ausente. Se a surpresa lhe alimenta o vício do aparecer intempestivo, de um momento para o outro, cerra o horizonte. Torna-o diáfano. Pinta-o com brancura mesclada, com mistério enrolado em frio e em quentura interior. Que entreabram as cortinas e lhe espreitem o surgir. Silencioso. Que a desejem e não a temam – liquefaz-se num suspiro despudorado. Derrama o que era seu.
Não lhe importa a fidelidade às antecipações que dela fazem. Desdiz e diz e contraria e aceita e é submissa quando partilha o querer e o estar e o sentir. Que seja noticiado o excesso se dele precisa e dispõe dar. Que interrompa vias por onde circulam afectos. Motorizados. Ser banida com cloreto de sódio e pás não a assusta – sabe das memórias que prevalecerão. Noites longas, fervura íntima, dias brancos. De tudo constitui património e herança.
Por ora, Vila Real e Bragança sentem-lhe a alvura. Isola povoações. A região da Guarda substituiu-a por gelo. Sabe o que perdeu. E a mulher vive saudade da neve na Beira Alta que ama. Do crepitar da lenha e do fogo latente nas brasas. Porque o Natal já é e terá apogeu daqui a uma semana, pela totalidade dos presentes embrulhados com amor e sem consumo que a consuma, lembra a pista de sky na cidade, as luzes dum alongado Natal vivido há dois anos, os imaculados farrapos caídos do céu que fotografou.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros