Vilhena
Nota prévia – Faz hoje duas semanas que ocorreu a chacina de cartoonistas do Charlie Hebdo. Momento adequado para lembrar livros interditos pela Censura.
O “Expresso” anunciou a disponibilização, aqui, de um inventário dos livros que a Velha Censura proibiu. Fê-lo José Brandão e a lista que estabeleceu vai em 900 livros. Já fui ver e li imensos antes do 25 de Abril, dos Harold Robbins aos chatíssimos Simonov e Cholokov, passando pelo Malraux (ainda tenho essa “Condição Humana”), o padre Jean Cardonell (este não está alcance nem do mais pintado dos intelectuais, ah, ah, ah), Henry Miller e Harper Lee. Até “A Nossa Vida Sexual” de Fritz Kahn me passou limpinho pelas mãos. Na verdade, o pai de um dos meus amigos de bairro era inspector da Pide e trazia os livros proibidos, assim providenciando, por ínvios e perversos caminhos, à educação dos infantes.
Olhando para as capas que o “Expresso” reproduzia, descubro que li, nesses tempos de Ditadura, em Angola, o Jubiabá e os Capitães de Areia, de Jorge Amado, as Mãos Sujas, de Sartre e, o que diz alguma coisa sobre a minha idiossincrasia, quase todos os livros do mais proibido dos autores, o José Vilhena, até a minha mãe os apanhar e eu ter mostrado vergonha sonsa e adolescente arrependimento.
Nota final – Artigo publicado aqui por Manuel S. Fonseca.
CAFÉ DA MANHÃ
Ernani Oliveira
O Capitão da Areia não tem pedigree e orgulha-se do seu passado de puto das ruas da beira-rio de Lisboa, profundo conhecedor dos meandros da pulhice autêntica, amigo de outros putos de caras envelhecidas, com eles frequentador das casas de «meninas», onde, empertigadamente, se faziam passar por mais velhos frente à jurássica proxeneta, na esperança de uma espreitadela, quiçá de um favor a troco de outro favor.
Nas outras horas vagas, mergulhavam no rio e o seu sonho era emparceirar com uma "toninha", nem que fosse por breves segundos, para depois alimentar tempos intermináveis de tédio no café do bairro, cantando as suas prosápias. Outras vezes, entravam nos navios ancorados e sonhavam com viagens, aventuras, mulheres de beleza exótica fazendo questão de emparceirar nos trabalhos de bordo com os marujos autênticos, ainda que a troco de um maço de cigarros.
O Capitão da Areia possuía, no entanto, um dom que o diferenciava dos restantes. Para a sua curiosidade natural de puto, procurava obter sempre respostas elucidativas, não se detendo nas meias-tintas. Era igualmente um observador nato do que se vê à vista desarmada e do que se não se vê nem com poderosas lupas, daquelas iguais às da montra na "casa do prego" do Sr. Leitão, para os lados de Santo Amaro. Pressentia intuitivamente os anjos ou demónios que aureolavam as pessoas e as situações. E foi por aí que ele deu a volta. Com curiosidade sempre, observando, compreendendo.
Algumas dezenas de anos após, ei-lo afirmando viver no Bairro de Alcântara, escrevinhando para jornais, provocador umas vezes, ironicamente amargo outras, folgazão, meio louco, sempre a sério em todas as facetas, mas recalcando algumas frustrações. Uma delas, sei eu de verdade verdadeira, é a de ter entrado na curva descendente da vida e não ter viajado ainda no seu saveiro (que desenhou e tudo), em direção aos mares do sul para aí, render a sua, pessoal, íntima, homenagem ao patrono inspirador que lhe mostrou e apresentou os putos de outras ruas, os capitães de outras cidades, de outros mundos e lhe abriu a porta de uma esperança desmesurada, quase concretizada, mas hoje, irremediavelmente utópica.
(…)
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros