Christina Papagianni
"Finalmente reencontro-a e posso, finalmente, dirigir-me a si, depois de um longo silêncio ditado pelo nosso comum amigo Paulo (da Capricci, parece que algo mais... disse-me a Deusa da Prudência), após se ter insinuado melifluamente, faturando a minha ausência, para mais encontrando-me eu, em mar alto ensaiando a reação do meu velho saveiro às fortes iras de Eolo.
Mas não pense que me sinto triste...a vós tudo perdoo... e quando me apercebi que a minha mais querida forista, andava em doces arrufos com o meu estimado companheiro de milhentas jornadas...senti-me feliz por a ver com esse brilhozinho nos olhos. Bom, quanto ao Paulo... confesso... ele bem sabia quanto eu a...a ... estimava e que até estava a preparar o saveiro para, nós os dois... enfim...olhe , também não interessa nada!
Mas sabe, nestas coisas, o excesso de solidão deixou-me embiocado e sem sentido de oportunidade e a ele, mais homem do mundo, (no bom sentido, entenda-se), lá atrevimento e "savoir faire" não lhe faltam, salvo seja...ganhou o melhor... Que os deuses vos guardem e Iemanjá, em particular, atente nos milhares de flores que em oferenda lhe deito ao mar em prol de todas as coisas lindas que clandestinamente possam partilhar. Com a riqueza da vossa imaginação e um rigoroso respeito pelos dons que a vida generosamente vos concede. Por que viver é preciso!
Porque no fim o que é um Capitão da Areia? É isso mesmo...Um sonho de aventuras...uma quimera juvenil...uma permanente provocação aos indecisos...a recusa de simplesmente estar...a vontade de partilhar...de construir...erguer mundos...amando e sonhando, sempre.
Capricci, deixe que desta vez lhe dê um beijo. Sentido. Da alma."
Capitão da Areia
CAFÉ DA MANHÃ
Ernani Oliveira
O Capitão da Areia não tem pedigree e orgulha-se do seu passado de puto das ruas da beira-rio de Lisboa, profundo conhecedor dos meandros da pulhice autêntica, amigo de outros putos de caras envelhecidas, com eles frequentador das casas de «meninas», onde, empertigadamente, se faziam passar por mais velhos frente à jurássica proxeneta, na esperança de uma espreitadela, quiçá de um favor a troco de outro favor.
Nas outras horas vagas, mergulhavam no rio e o seu sonho era emparceirar com uma "toninha", nem que fosse por breves segundos, para depois alimentar tempos intermináveis de tédio no café do bairro, cantando as suas prosápias. Outras vezes, entravam nos navios ancorados e sonhavam com viagens, aventuras, mulheres de beleza exótica fazendo questão de emparceirar nos trabalhos de bordo com os marujos autênticos, ainda que a troco de um maço de cigarros.
O Capitão da Areia possuía, no entanto, um dom que o diferenciava dos restantes. Para a sua curiosidade natural de puto, procurava obter sempre respostas elucidativas, não se detendo nas meias-tintas. Era igualmente um observador nato do que se vê à vista desarmada e do que se não se vê nem com poderosas lupas, daquelas iguais às da montra na "casa do prego" do Sr. Leitão, para os lados de Santo Amaro. Pressentia intuitivamente os anjos ou demónios que aureolavam as pessoas e as situações. E foi por aí que ele deu a volta. Com curiosidade sempre, observando, compreendendo.
Algumas dezenas de anos após, ei-lo afirmando viver no Bairro de Alcântara, escrevinhando para jornais, provocador umas vezes, ironicamente amargo outras, folgazão, meio louco, sempre a sério em todas as facetas, mas recalcando algumas frustrações. Uma delas, sei eu de verdade verdadeira, é a de ter entrado na curva descendente da vida e não ter viajado ainda no seu saveiro (que desenhou e tudo), em direção aos mares do sul para aí, render a sua, pessoal, íntima, homenagem ao patrono inspirador que lhe mostrou e apresentou os putos de outras ruas, os capitães de outras cidades, de outros mundos e lhe abriu a porta de uma esperança desmesurada, quase concretizada, mas hoje, irremediavelmente utópica.
(…)
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros