Autor que não foi possível identificar
O Pedro. A alma. A boca. As mãos. O cabelo com brancos esparsos. A idade madura alvorecida. O afecto. A pele dizia sim num abraço ou beijo aflorado. Primária no respeito pelos instintos. Não lhe mentiam. Quando um novo ser lhe enregelava a cortesia, raridade que os dedos contavam, sumia. Do contrário, fruía.
Recostada no conhecimento macio do outro, entregava horas e obtinha deleite/alimento na viciosa precisão de entender. Vulnerabilidade? Uma de muitas. Pulsão também erótica sendo homem o interlocutor. Por se confirmar jogadora, disponível para o encantamento, usava a mestria antiga das mulheres que sabem ser fêmeas na mãe, na filha, na amante, na amizade, na profissional, na companheira, na puta rebelde ou submissa. A gruta poderosa que verte sentidos e enlouquece na dádiva e no querer. Tudo compunha no colorido das telas que dependurava na parte nua da galeria íntima.
O Pedro esculpia intensidade no elo mantido sem cama revolta que explicasse almoços e serões confidentes. Sem adianto pelo julgado amor por quem, no Norte, compunha puzzle de notas em pautas. Harmonias que o eram antes de serem no fosso da orquestra. No palco do poliedro. Nos Grandes Auditórios do CCB e da Gulbenkian. Noutros lugares.
Bucareste em escala e página. No regresso de Praga nevada, por ali ficara horas. Curtas. Bastantes para um café solitário, para uma cigarrilha mal fumada no esconso da plataforma aérea. A free shop sem apelo - lugar de griffes costumadas. Sabia-as de cor e os preços tabelados. Noite. Sempre a noite. Os pertences em monte no assento plástico da porta onze. Abafo no braço, cache-coeur entrelaçado sob as curvas gémeas e contrárias do peito – mamas, sabia, termo correcto. Talvez ao Carlos ali tão perto apetecesse o pérola justo das calças, afundar a língua nos recortes. Não telefonou. Que não lhe soubesse da ida e vinda. Que a imaginasse a coberto da alvura das paredes da galeria e daquelas entrecortadas por ameixa e verde lima onde dormia, dormiam e fingiam casal entregue. Que não eram ou ele era e ela também e não sabia. Mas queria. Desejava a ternura da conjugalidade sem obrigações e malefícios. Porque os havia. Lancetavam a beleza do quadro. Evitava-os pela tragédia. Ainda ferida sem crosta. Aberta. Até sempre ou um dia.
O Carlos, o Pedro. O ponto e o contraponto. O amor interrogado e o que não seria podendo ser. O Carlos fabricando aletria, rabanadas no pós Natal. Mês mais tarde, o cardápio arrojado; na dobra a espiga. A 15 de Fevereiro, recebera-a à mesa. O menu no carnaz da colagem. Dizia: Jantar Deboche. A ementa brejeira foi gargalhada sem parança.
O deslumbre pelo Carlos também adviera do arrojo e da faceta colectora de beleza em formas várias: pintura, canetas, automóveis miniatura de sonhos crescidos, livros lidos, gravações raras, as colagens e as réplicas de teatros mito que construía copiando detalhes dos panejamentos.
E houve jantar e deboche. No dia seguinte, enquanto ela demorava o arranjo, sabia-o ouvindo a gravação preferida sob a luz filtrada pelo abajur cereja da sala sombria; pulôver encarnado e o semanário como leitura. De mansinho, sem que dela ele soubesse, fumou no terraço coberto a primeira cigarrilha do dia.
CAFÉ DA MANHÃ
Rem Koolhaas
Vinicio Capossela «concertou» na Casa da Música. Desconcertou alguns _ ignoro se muitos pela inexistência de sondagem à boca da saída. Desconhecia-o. Curiosidade espicaçada pelo baptismo de “Tom Waits à italiana”, esmiucei o YouTube. Porque o desejo de mais saber é como as palavras e as cerejas, nunca em demasia, passei do tal Capossela para a cerâmica, desta para a arquitectura e regresso ao Porto. Fio condutor: a Casa da Música. Recursos: diálogo aceso com portuense crítico e Google para a imagem.
Nunca entrei no diamante em betão postado na Rotunda da Boavista pelo arquitecto Rem Koolhaas. Chegada ao Porto, inicio-me no Passeio Alegre, deslizo rente ao ondular do Douro quase marítimo, e só depois experimento surpresas. Que as há em cada volta à cidade-amor. Sensual pelos aromas, colinas expostas e esconderijos benignos a carícias aos horizontes cortados por verdes frondosos.
Ontem, ficou assente testemunhar da Casa a acústica _ disseram-ma das melhores do mundo _ assim haja apelo na programação. Mirar os azulejos que enobrecem a sala VIP, homenageando a bela arte da cerâmica portuguesa que me rende (a estação de S. Bento é mostra excelente). Distorcer a visão pelo vidro ondulado, parede da mesma sala.
A voz crítica portuense não descurou menoridades e perversidades da Casa da Música: concepção como auditório, sem fosso de orquestra que permita espectáculos de ópera quando no Porto é omisso espaço decente para idêntico fim; os milhões envolvidos permitiam mais valências, ou a construção de dois espaços que as satisfizessem.
Quero de volta Serralves, a “Árvore” dos meus encantos, deambular entre granitos. Contornar o disparate do mui querido Siza na Avenida dos Aliados, bisbilhotar, em Matosinhos, a “Casa de Chá da Bora Hora” e a “Igreja de Stª Maria” que assinou.
Nota: a versão Photoshop da azulejaria concebida por Rem Koolhass não diminui beleza ou mérito. Augusto Cid utilizou processo semelhante nos painéis que ornam as «patas» do viaduto frente ao Jardim Zoológico, em Sete-Rios. Merecem olhares.
CAFÉ DA MANHÃ
Peter Hadlley
Era intenção balanço das Autárquicas. Ruiu – votação assim escorreita e madura merece reconhecimento. Tem o meu, à parte a borracha passada pelo nada feito cultural do Rui Rio no Porto.
A Miguel Bombarda é um desastre! O homem é hostil a todos aqueles que, sabendo o que fazem e de que falam, o interpelam e contrapõem nova gestão da cultura na capital do Norte e, por isso, também epicentro do país. Mas o povo gosta e ordena. É o que mais interessa e faz sofrer a quem do Rio, que não “acima”, fica sabendo por aviar exigências modestas.
De companhias de Teatro, o Porto não sente falta. Tem:
- a "Seiva Trupe" sita no Teatro do Campo Alegre;
- “As Boas Raparigas” no Estúdio Zero;
- sem lugar próprio, funcionam o “Teatro Plástico”, “Teatro Bruto” e o “Teatro do Frio”;
- o Rivoli está por conta do La Féria – paga renda, havendo retorno.
Programação capaz de tornar rubra de inveja a capital do Sul e do país.
Atentando em bailado, ópera e concertos é quase total a desgraça. A Casa da Música não tem palco. Adeus óperas e bailados. As companhias que chegam são recambiadas para o Coliseu, espaço óptimo com demasiado cimento e pouca madeira. Mínima a qualidade acústica tal como acontece com o de Lisboa. Espectáculos de bailado sim, mas vindos da quinta categoria dos países de Leste.
Rui Rio propõe fazer do Palácio de Cristal um Pavilhão Multiusos. Não estivessem fora da agenda obras de fundo, podia ser alternativa às insuficiências das restantes salas da cidade. Nem pensar! É inexistente o espaço para caixa de música. Pode servir para concertos de rock; nunca como espaço amplo para espectáculos que envolvam rigor acústico. O Rivoli requalificado viu passar a lotação de milhar e meio de lugares para oitocentos. Insuficientes para espectáculos de monta.
Por tudo digo: “desabensonhado” Porto que não considera prioridade a cultura. Dêem-lhe o visível exposto e mais não pede ou quer saber.
Nota: após esta provocação, estou pronta para receber tomatada madura, quiçá podre, nas bochechas virtuais.
CAFÉ DA MANHÃ
Beleza - Mariana Aydar (participação de Mayra Andrade)
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros