Aurelio Arteta, 1879-1940 – “Las cargueras del muelle”, 1922
Quando Maio abre portas, é dia regalado. Urbes encerram para descanso do pessoal trabalhador, abrem tendas de febras e couratos que proporcionam conforto reinadio aos assalariados em festa memorial. Perguntado um a um o que festejam, a maioria hesita, franze o sobrolho por segundos meditativos e arriba ao ‘porque é dia do trabalhador’.
Vasculhando antecedentes da data, nada de excecional a marca, salvo importante manifestação de trabalhadores em 1886 nas ruas de Chicago. Reivindicavam a redução da jornada de trabalho para 8 horas e inauguraram greve que imobilizou a economia da U.S.A.. Cinco anos depois, num ajuntamento de milhares de trabalhadores no norte de França em luta pelo mesmo, morrem dez manifestantes sob as botas da polícia. Quanto ao mais que a história debita sobre movimentos laborais, o que importa aconteceu a 23 de Abril, a 3 e a 4 de maio. Em cinquenta anos portugueses, falar ou refletir sobre o símbolo da comemoração era matéria sob alçada da PIDE e do lápis censório. Uma pepineira justificada por miúfa e vistas curtas. Lixou-nos a Internacional Socialista ter decidido convocar manifestação no primeiro de Maio com o objetivo de continuar a luta pelas 8 horas de trabalho diário. Não ajudou a remover o bolor «salarazento» a ‘demoníaca’ Rússia tê-lo adotado como feriado nacional. Os Estados Unidos mandaram às malvas o simbolismo e comemoram o Labor Day na primeira segunda-feira de Setembro. Uns sovinas, que por via do estabelecido impedem «pontes». Na Austrália, é dia do trabalhador quando uma região quiser: a 4 de Março na Austrália Ocidental, a 11 do mesmo mês no estado de Vitória, a 6 de Maio em Queensland e no Território do Norte, a 7 de Outubro em Canberra e Sydney. Esta última opção interessa-me particularmente por corresponder ao dia em fui nascida.
Que pare o labor, que seja quebrada a rotina sujeita a déspotas ou a simples mandadores. Que o povo saia à rua e cante e reivindique e diga das respetivas razões para o descontentamento quotidiano. Que a solidariedade seja (…)
CAFÉ DA MANHÃ
Vilhena
Nota prévia – Faz hoje duas semanas que ocorreu a chacina de cartoonistas do Charlie Hebdo. Momento adequado para lembrar livros interditos pela Censura.
O “Expresso” anunciou a disponibilização, aqui, de um inventário dos livros que a Velha Censura proibiu. Fê-lo José Brandão e a lista que estabeleceu vai em 900 livros. Já fui ver e li imensos antes do 25 de Abril, dos Harold Robbins aos chatíssimos Simonov e Cholokov, passando pelo Malraux (ainda tenho essa “Condição Humana”), o padre Jean Cardonell (este não está alcance nem do mais pintado dos intelectuais, ah, ah, ah), Henry Miller e Harper Lee. Até “A Nossa Vida Sexual” de Fritz Kahn me passou limpinho pelas mãos. Na verdade, o pai de um dos meus amigos de bairro era inspector da Pide e trazia os livros proibidos, assim providenciando, por ínvios e perversos caminhos, à educação dos infantes.
Olhando para as capas que o “Expresso” reproduzia, descubro que li, nesses tempos de Ditadura, em Angola, o Jubiabá e os Capitães de Areia, de Jorge Amado, as Mãos Sujas, de Sartre e, o que diz alguma coisa sobre a minha idiossincrasia, quase todos os livros do mais proibido dos autores, o José Vilhena, até a minha mãe os apanhar e eu ter mostrado vergonha sonsa e adolescente arrependimento.
Nota final – Artigo publicado aqui por Manuel S. Fonseca.
CAFÉ DA MANHÃ
Jean Gabriel Domergue
Segundo os padrões familiares, nova demais para assistir ao Teatro de Revista quando o esplendor lhe pertencia, vi a primeira ‘revista’ pouco antes do 25 de Abril de 74. Recordo-me da sensação de forma de teatro menor, conquanto divertido, cenicamente encantador. Falas brejeiras, muitas; as de censura à censura vigente e à sociedade portuguesa mais aos governantes, por tanto curarem da discrição, somente entendimentos treinados as assimilavam. Na altura, jovem espigadota, enformada pela doutrina vigente, não fora a liberalidade da JEC, restaria surda e cega ao sistema ditatorial.
Com o espírito de então, ao Teatro de Revista chamaria 'pimba' fazendo uso da atávica arrogância juvenil a pender para o ‘intelectualóide’. Nem perceberia que 'pimba' era eu devido às palas que me restringiam horizontes e das quais foi difícil abdicar. Mas lembro, sim, os corpos perfeitos das coristas, os strass e cetins, a ousadia da rede nas meias, o ar canaille que pairava. E quando levantavam em simultâneo as longas pernas, os seios pulando dos espartilhos ousados? Os homens, habituados à modéstia dos sutiãs e cintas caseiras, às camisas de grosseira flanela das senhoras donas esposas no deitar, iam ao rubro e babavam na cadeira. Deles, os mais libert(in)os, enviavam flores aos camarins das artistas, coristas incluídas, pois então!, e esperavam, findo o espectáculo, acesso a momentos de luxúria inauditos. Da vontade da mulher, da conta bancária ou do arrojo e figura marialva dependia o sim e o não.
Vem ao caso o tratado pela audição desde há três dias da “Rádio Sim”. Casa esvaziada de fios ligados a satélites, o trazido deu «nega», os antigos, rijos como peros do Vale D. Pedro, funcionam. Sintonia única a emitir: “Rádio Sim”. Inenarrável a programação para quem é ouvinte da TSF - noticiários emprestados pela Rádio Renascença, música portuguesa de tempos que há muito foram outros. Tem ‘discos pedidos’, adivinhas, conversas madrugada dentro com gentes acordadas pelo ofício ou cujas insónias entretêm; idosos na maioria. Antes de ter «crescido», classificá-la-ia de ‘pimba’. Já não. Traz alegria, gargalhadas vigorosas, ânimo aos molhos a quem a procura e com ela suaviza solidões e achaques.
‘Pimba’ esta rádio? ‘Pimba’ quem a ouve? ‘Pimba’ o Quim Barreiros? _ Não! ‘Pimbas’ são os falsos profetas, os arrogantes de tigela meada, os ricos que maltratam ou exploram funcionários e passam aos alheios o estatuto de mecenas, escritores pretensiosos, artistas curvados ao que no pretenso elitismo “está a dar”.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros