Graham McKean
Mal começado o dia que o sol ainda não ilumina, madrugada, portanto, cinco graus na rua, eles chegam. Caminham devagar. Enroscados nos abafos. Olhos no chão. Coluna inclinada às ordens do vento. Mais homens, que mulheres – elas arribam mais tarde, quase sempre com filhos pela mão. Encostam-se à parede e exorcizam o frio com o bater dos pés no chão, com as mãos nos bolsos ou enluvadas, com golas ao alto e o aconchego dum cachecol puído. Olham com ansiedade o relógio e permutam a informação de quanto falta para as oito. Falas poucas, que o desconforto é muito.
Clareado o dia com o avanço dos ponteiros, a língua desata-se. Histórias de maleitas, de sofrimentos, de vidas ingratas. Partilham, antes da abertura próxima, que técnicos, enfermeiros ou médicos entraram. Endireitam a fila desorganizada pela espera, pelo frio, pelo vento – alguns dos idosos que são maioria haviam-se recolhido no vão da entrada do condomínio fronteira. Outros, os mais afortunados que estacionaram em frente da porta do Centro de Saúde, aguardam no automóvel o ajeitar da fila até minutos antes de vir à porta o segurança. Homem possante, fardado como cumpre. A muitos conhece; quer saber como vai a mulher ou o marido. Mesmo que económico no sorrir, há solidariedade no estar. E conforta. Às oito, vai lá dentro: averigua se tudo está apto a receber os utentes. Entram, finalmente. Com eles, a vaga ilusão de regresso a casa mais esperançado do que fora a saída.
CAFÉ DA MANHÃ
Anne Bascove, Norman Rockwel
Se telefonema ou e-mail, supostos actos médicos, dirigido a um médico do Serviço Nacional da Saúde custa, agora, ao utente 3 euros – a suprema hierarquia acaba de desmentir, embora os factos provem o contrário - se as taxas moderadoras, a coberto de descongestionamento dos serviços hospitalares, passam a escandalosas por tanto pagar rico como pobre como soíam maus costumes, se a contenção dos gastos com Centros de Saúde obriga a fechar muitos das oito da noite em diante, se a Universidade Técnica de Lisboa baseada num questionário a dois mil e alguns dos seus licenciados, garante que no final do ano seguinte ao diploma 95% têm emprego embora com salários oscilando entre setecentos e mil e quinhentos euros após cinco anos de sacrifício no investimento das respectivas famílias cobrados sem piedade ou dó, se as desigualdades agravam injustiças sociais a cada dia passado, se bem fez a Jerónimo Martins ao procurar o fisco mais favorável na Holanda, se cada um de nós é espezinhado pelo «sistema» no quotidiano, se os Presidentes de Câmara e de Junta de Freguesia vêm limitados os mandatos enquanto na Assembleia da República somam e seguem até à choruda reforma pelos serviços prestados - presumidos bons, na verdade, genericamente medíocres -, se o trabalhador é humilhado pela negação de direitos elementares, se e se e se mais poderiam ser apontados, uma de duas: ou a nossa obediente atitude é devida a genes que a tradição inscreveu nos genes lusitanos, ou contra maluqueiras encolher ombros é sensato. Já no início dos setenta, Raul Solando desmentia.
CAFÉ DA MANHÃ
Para recordar e aliviar
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros