“Sonhos” – Vittorio Matteo Corcos (1859-1933), c_ 1896, Galeria Nacional de Roma e “Reading Girl” – Gustav Adolf Hennig (1797-1828), Museüm der Bildenden Künste, Leipzig
Veio ter comigo. Apareceu manso e belo. Silencioso. No canto iluminado, sentia-se entediado da exposição: desejava sombra acolhedora que o aliviasse da quentura, onde não fosse mexido e remexido por curiosos espantados com o fulgor. Queria conversar, ser escutado, ouvir. Escolheu interlocutora disposta a murmúrios íntimos antes de o abrir. Tinha doçuras a revelar, perguntas a fazer.
_ "Que se passa afinal? Que leva certas mulheres, por sinal as mais inteligentes, criativas e dotadas, a desesperar com a vida ao ponto de deixarem de a suportar? É evidente que o que dá asas aos homens e lhes permite voar - viver um amor e, em simultâneo, afirmar-se do ponto de vista artístico - destrói as mulheres. Acresce a isto algo muito simples, absolutamente intolerável: as mulheres governam o quotidiano dos homens, proporcionando-lhes as condições que lhes permitem escrever (ou fazer qualquer outra coisa, seja lá o que for). E quem governa o dia-a-dia delas? Ninguém tem pejo em as qualificar de musas inspiradoras dos homens, mas quem são, onde estão, as musas inspiradoras das mulheres? A mulher tem de ser a musa de si própria."
Mais acrescento: o que te digo está nas minhas entranhas. Sabes?, não conhecia o português antes da Quetzal me imprimir. Engracei com ele. Nem a tia alemã Elke Heidenreich que vive em Colónia e me ofereceu magnífico e longo prefácio sabe quanto! É escritora famosa. Entre nós, escreveu livro de amor entre uma donna sentimentale e um maschio italiano; história mafiosa - ele extorquiu dinheiro, protegeu um gato velho, corrompeu quem quis, suprimiu, roubou.
Stefan Bollmann, o meu pai também germânico que vive e trabalha em Munique, é um «cromo». Aprendi esta palavra com uns rapazes em passo estugado que por aqui andaram sem me olhar. Com cinquenta e cinco anos, salta entre países, como pulga louca. Deu-me muita atenção quando nasci. Depois, andou comigo (…)
(…) Numa livraria, penso-me no caminho de portais com acesso a mundos onde irei morar durante um tempo – o tempo da leitura.
CAFÉ DA MANHÃ
Nova Iorque - amor à primeira vista. A chegada é como entrar num filme e viver nele. A cidade do pouco mundo que conheço onde me apeteceria habitar.
A inevitável imagem do Rockefeller Center. A figura apanhada no mau gosto da prova 'estive aqui'. Harlem, maravilhoso e contraditório, logo depois. Os ofícios religiosos, ao domingo, estonteiam pelo genuíno gospel. Em baixo, o deslumbre da Art Déco do Empire State Building. Estreito skyline obtido na 5th Avenue. A tentação do cheesecake de forno porta sim, porta não. Hordas de gentes na azáfama habitual.
O ridículo da figura no mercado de flores em Amesterdão. O fascínio das casas magras em largura, do ziguezaguear do rio Amstel, da Casa de Anne Frank e muito mais. Na imagem seguinte, a figura deleita-se com as flores na Grand Place de Bruxelas.
Para quem atravessa a Floresta Negra «subir» o Reno é invevitável. A formosa cidade de Bacharach, inscrutada na margem esquerda do rio, e Bona.
Pormenor da Catedral de Colónia. Quai d'Orsay pede revisitação pela arquitetura, pelo acervo e pelas exposições temporárias.
Num dos regressos a Paris, fiquei instalada nesta casa senhorial do século XIX. Bosque em volta. Nem dá por ele quem corre a rua do Seizième Arrondissent. Infinita a saudade desta casa vendida no entretanto.
Saudade de mais uma viagem marítima. O retorno está para breve.
Razão tinha Saramago ao escolher viver em Lanzarote. A paixão aconteceu à medida das curvas e contracurvas que levam à «zona lunar» cimeira. Vulcânica de facto. O recolhimento dos vinhedos encanta quem possui raízes rurais. O passeio de camelo para 'turista fruir' traduziu-se em gargalhadas. E se rir faz bem!
CAFÉ DA MANHÃ
Breve a fuga. Sempre curto demais encontro silencioso com o espírito. Também por isso aproveitado cada instante. Fruição. Até na espera do ferry e das sardinhas em Setúbal.
Casal de alemães rondando sessenta e pós sai da caravana luzidia. Elegantes, bronzeados, cedem ao vício dum cigarro com Arrábida em fundo. Gozando da brisa fresca, dos meus cabelos por ela levantados, do sol entre nuvens no seu brincar com sombras e repentes de luz gloriosa, sentia com gosto o temperamento da meteorologia. A mulher aproximou-se e foi o inglês posto ao serviço do diálogo. Comentaria: _ “É rica?”. Perante a minha perplexidade, acrescentou: _ “Esta zona é muito cara. Quem ali circula distingue-se dos algarvios e alentejanos.” Expliquei o critério que preside no ‘Troia Resort’ – pelo custo dos catamarãs, injustamente arredada a população de Setúbal da praia histórica na infância de muitos. Pelos custos elitistas, o português hesita ou é impedido pelos salários e empregos parcos. Seleção obediente a cimeiros interesses económicos tendo em vista lucros crescentes. O homem comparou: _ “ Fosse em Espanha e a costa estaria pejada de hotéis impressivos.” Que não, que em Portugal eram (mal) protegidas reservas naturais. Dei exemplos. Quase batiam palmas.
O casal viera desde a harmoniosa Colónia, percorrera Sul de França e de Espanha, permaneceu no Algarve, os dias últimos em Lagos. Espreitaria a Costa Alentejana e Évora. Do Algarve, em particular de Lagos, opinião do pior. No entanto, estabeleciam diferença profunda com a Grécia onde peregrinaram no ano anterior. Lixo, gentes tristes, pobreza a esmo. Em Portugal, tudo é distinto e garantia o casal confiar na ressurreição económica do país. Inquiridos como viam os alemães Angela Merkel, resposta entusiasta de manifestos apoiantes. Europa forte, defendem.
A estranheza maior relatada foi a quantidade de autoestradas cortando país tão pequeno. Teriam vindo da Europa os euros? _ Que sim, que haviam sido mal aproveitados ao privilegiarem comunicações viárias em vez da educação como faria qualquer novo-rico. Avistado o ferry, despedida. Mágoa pelo diálogo interrompido.
CAFÉ DA MANHÃ
Som da fuga
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros