Bola de Sabão - Manuela Pinheiro
Menino pintor vendeu integralmente, em Londres, a segunda exposição. É inglês. Compram-lhe um quadro acima de 1000 euros. Fila de espera numerosa para adquirir obra. O pai, desempregado, conseguiu trabalho numa galeria de arte. Levava com ele o filho. Aprenderam, em conjunto, a pintar. A criança absorveu a vista apreendida da galeria: uma bomba de gasolina enquadrada pela Holt (sub)urbana. Os pais não o pressionam, nem fazem dele fonte de rendimento – usa os pastéis se apetite. Em simultâneo, o melhor da turma nas áreas científicas. Projectos: ser pintor ou craque de futebol.
Créditos diferentes, saber maior tem Manuela Pinheiro. A 27 de Janeiro, inaugurou exposição no Supremo Tribunal de Justiça na Abertura do Novo Ano Judicial. Sóbria no tailleur castanho e camisa de cetim, duma sala fez capela de emoção. Mal carecem de assinatura as telas: traço, paleta e luz inconfundíveis. O ‘patas de astracã’, que há anos muitos a serve no dia-a-dia para café quotidiano em frente, tarde meada de Inverno na Avenida de Roma, escoltou-a no saída para o frio. Linda e simples! Olhar vivo, azul-turquesa, assim observador e perspicaz não serve qualquer uma. “Justiça e Cultura de Afectos” em mostra no Terreiro do Paço até 10 de Fevereiro. Na Conceito, expostas três novas obras também (re)vivendo afectos. Excepcionalmente, custo inferior ao usual e à cotação.
Kieron Williamson, o petiz, vendeu 16 telas por vinte mil euros em menos de um quarto de hora. Talvez menino ficado pelo caminho. Talvez 'novo Picasso', dizem. Discordo:
_ Os génios não se repetem, quais cópias A4.
Entretanto, tem aulas de pintura e frequenta escola banal. Brilha porque luzir dele faz parte.
Semelhantes, no «olhar», o ‘menino pintor’ e Manuela Pinheiro. Elo e dom comum, o «olho» de Monet. Em baralho outro, porque escultor, João Cutileiro partilha-o. Cinzel talentoso. Na comemoração do Centenário da República, arrenego posibilidade de a consubstanciar escultura vagínica, ainda que o simbólico feminino seja tradição dentro e fora. Equivalente temos: a fálica esquinuda no cimo do Parque Eduardo VII. O Tejo e o autor mereciam melhor.
CAFÉ DA MANHÃ
Manuela Pinheiro - colecção particular
Conceição Ramos
Há anos, inaugurei-me no ateliê/casa/templo da Manuela Pinheiro. A custo balbuciei apreço, tão esmagada me achava pelo visto – telas e telas e trípticos e fases e tempos e depoimentos de figuras nobres da cultura e das letras nacionais. Casa de memórias e presente. Visão ofertada a poucos dos muitos que desejam penetrar na intimidade da Pintora/Mestra. Mulher linda, olhos de azul líquido, pele macia rodeada de pratas e pérolas e sensibilidade; dos felinos Federico García Lorca e Rainer Maria Rilke - a este chama Rilke Maria. O Frederico e Rilke Maria são, não apenas, meus sobrinhos. Quando a «tia» chega, cheiram-na e sentem e reconhecem-na. Empoleirados nas vidraças da cobertura sobre a Avenida de Roma, namoram, gulosos, os pombos. Ouvem fado e música clássica. Acompanham a dona/musa enquanto pinta.
A Conceição Ramos é outra mulher maior da pintura portuguesa. Modesta por feitio, malgré o currículo, cria feitiços acrílicos aromatizados por especiarias. Por generosidade da artista, que faz o favor de me gostar, entrei no ateliê. De novo, emudeci. O que aprendi olhando! O que senti ao ver! E os cheiros da Índia portuguesa, os cruzeiros, a iconografia religiosa, as paisagens vertiginosas em telas irregulares! A fase das “Cadeiras” foi tempo que já não é. Hoje tempera com açafrão, mostarda e piripiri a alvura em que pincela fundos e formas. A luz entra a jorros. Ouve música comprada na rota pela Índia que foi província de um império desfeito. A exposição abre janelas na rentrée.
Como não ser feliz? Como não recitar Deo Gratias pelas benesses imerecidas? E a mulher volta às paredes que a conhecem, onde escreve e pinta. Sente-se pequena. Ignorante. Grata. Muito. Pintou.
Nota: ambas as pintoras têm obras expostas na exposição patente na "Conceito", Av. António Augusto de Aguiar, nº 19, 4º. Telefone - 351 213 581 000
CAFÉ DA MANHÃ
Frederico Garcia Lorca - Leonard Cohen
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros