Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012

AO DESAFIO DE DIA 11, RESPOSTA III

 

Daniel Del Orfano

 

Ligou ao Quarto Dia (História 3)

 

O vestido chegou, a bainha posta acima. Helena mudara de emprego, de maquilhagem e até o caminhar me parecia diferente. Há meses que notara alterações na minha mulher que iam de novos termos na linguagem até longos períodos de distração (ou concentração) tendo em comum o mesmo olhar vago e distante como quem vê através de mim. Sempre tão discreta no seu estilo requintado de apresentação, comprara recentemente um espampanante guarda-chuva vermelho em nada consentâneo com a sobriedade habitual do seu vestuário. O meu ciúme era por isso justificado e a angústia doía-me nos músculos. Amava-a.

Parker Pine, 17º andar, sala 12, Rockefeller Building East Side – Detective Privado.

Os serviços anunciados no jornal cheios de blá blá, prometiam atuação rápida e discreta a preços módicos. Acordada a estratégia, trocadas as informações, esperei na secreta esperança de estar errado; tal era o desejo de me sentir inundado de vergonha e remorsos pela recente contratação versus a eventual realidade que me aterrorizava.

Parker passou três dias simulando a leitura de um livro num banco situado à saída do novo emprego de Helena.

Ligou-me ao quarto dia; face ao meu olhar inquisitorial retorquiu sem subtilezas:

- Quer que lhe diga que não ou que lhe diga a verdade?

A foto cravou-se-me como punhal afiado: Helena abraçava ternamente um homem, caras tapadas pelo guarda-chuva vermelho. Ao lado, um táxi de porta aberta, esperava-os.

Mais de metade de mim morrera ali. O resto faleceu no divórcio.

 

Texto escrito por Emílio de Vera a quem agradeço a qualidade e a prontidão da resposta, bem como a seleção da segunda imagem de Daniel Del Orfano.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 06:55
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Quinta-feira, 13 de Dezembro de 2012

AO DESAFIO DE DIA 11, RESPOSTA II

 

Daniel Del Orfano

 

“Era Sábado e Ia Casar” (História 2)

 

Era Sábado e ia casar-me.

Lá fora, uma chuva miudinha fazia semicerrar os olhos; inclinei o guarda-chuva vermelho que Velda me deixara de véspera. Ajustei o cinto, sorri das superstições de Velda e fustiguei o passo.

Na esquina da 1ª Av. com a 53, Velda saltou do táxi e antecipou o beijo de esposa que ia ser; rosto sorridente emoldurado pelo cabelo louro ondulado e os mesmos olhos negros e vivos que via todas as manhãs quando me estendia o café.

Pedi ao taxista que nos deixasse na Lexington. Pelo retrovisor, reparei num Buick preto que nos seguiu até à alta de Manhattan. Joe de Magio tinha mandado os rapazes fazer o trabalho sujo. Naquele dia estava determinado a enviar-lhos de volta em sacos de plástico com um peixe fresco por cima, como na Sicília.

Recostada, com as longas pernas estiradas sobre o meu lado, Velda exibia as meias  de seda até à renda; o vestido, vermelho e justo mal tapava o elástico da liga esquerda; das coxas brancas e fortes parecia emanar um cheiro quente a carne de mulher.

- Pare!

As rodas do carro chiaram quando o taxista guinou para estancar entre o Chevrolet e o camião de mudanças. Saí com a 45 Smith & Weston na mão por entre o fumo branco e negro da borracha queimada. Descarreguei o tambor no para-brisas do Buick ao mesmo tempo que o carregador linear de uma Bereta assobiava chumbo aos meus ouvidos.

E de repente, silêncio. Aquele silêncio de mau agouro que tantas vezes presenciara. Voltei-me para Velda, em pânico. Do canto esquerdo dos lábios, num trejeito ainda feliz, corria um espesso fio de sangue que descia pelo pescoço lívido e se perdia por entre os seios proeminentes, agora ruborescidos. Sem conseguir tirar os olhos dela, as lágrimas molharam o cigarro que acabara de acender.

Era Sábado e ia-me casar, mas as sirenes, ao fundo, evidenciavam-me que Velda continuaria lá, na cidade, nas sombras de Nova Iorque, com o seu guarda-chuva vermelho na minha memória para sempre.

 

Texto escrito por Emílio de Vera a quem agradeço a qualidade e a prontidão da resposta.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 06:24
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Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012

AO DESAFIO DONTEM, RESPOSTA

 

Daniel Del Orfano                                                                                                             Franz Richard Unterberger

 

"Em Veneza - assim sentiram os meus olhos" (História 1)

 

"Foi em Novembro que nos conhecemos.

Emília descia as escadas de San Giorgio Maggiore onde conflui o movimento dos que atravessam o Canal Grande para a Piazzetta San Marco. Sem lhe ver o rosto, coberto pelo guarda-chuva escarlate, cobicei os joelhos nus, magros e ossudos, como peças móveis de uma silhueta franzina, unindo como rótulas a gabardina às botas pretas.

 -Prego signorina.

Emília agradeceu com o olhar o gesto de amparo no antebraço ao entrar na lancha agitada pela calema de uma manhã chuvosa do Adriático.

- Una piccola domanda; non sai che fare; non c'e` niente che io possa fare se ne e` andato via da qui à S. Maria Formosa.

- Si, certo, lei, compagno io.

A voz dela era forte e rouca mas em tom suave e meigo como murmúrio de riacho.

Aqui e ali reverberavam nas poças de água as descargas dos algerozes do Museu Correr.

A meio da longa arcada que circunda a praça, Emília divisou a única mesa livre que se apressou a tomar, dois dedos no ar, a indicar o número de capuchinos.

Fazer fé na reserva metálica da paixão que em semelhantes circunstâncias paralisa todas  as capacidades apreciativas e provoca a admiração exclusiva da pessoa amada, era apelo irresistível. Porém, Emília era casada. Disse-mo a aliança resplandecente qual ave que quebra o silêncio com o seu grito.

Quando saímos, não dei pela falta do guarda-chuva. É mais o tempo que passamos ao serviço do guarda-chuva do que ele ao nosso. Não lamentava tê-lo deixado no bengaleiro do Caffé Florian; segurei, por isso, o dela para que me desse o braço.

No pedaço de céu retangular sobre as fachadas de ocre molhado, a chuva tinha-se distraído e um arco-íris espreguiçava-se em lenta curvatura.

Emília sorria, enigmática, na maquilhagem de paleta renascentista."

 

Texto escrito por JG a quem agradeço a qualidade e a prontidão na resposta.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

Pinturas de Franz Richard Unterberger (1838 - 1902)

 

publicado por Maria Brojo às 06:59
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Terça-feira, 11 de Dezembro de 2012

GUARDA-CHUVA ENCARNADO

História 1

 

Daniel Del Orfano              

 

História 2

 

Daniel Del Orfano              

 

História 3

 

Daniel Del Orfano 

 

Três histórias, duas ou uma só que todas as imagens abranja. Nem uma palavra arrisco a indiciar rumo. Que a fantasia do leitor deslize e conte o conto que lhe aprouver.

 

A escrita é aceite sob pseudónimo e, depois, aqui publicada. É livre o título e a ilustração em pintura. Quanto gosto em constatar perceções diferentes da mesma sequência de imagens!

 

Endereço de contacto: mariabrojo@gmail.com

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:53
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Olá. Posso falar consigo sobre a sua tia Irmã Mar...
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